| Foto: Henry Milléo/Gazeta do Povo/Arquivo

Embora o Brasil precise atualmente de 354 mil novas vagas para acabar com a superlotação das cadeias, contratos no valor de R$ 253 milhões para construção, reforma ou ampliação de presídios foram cancelados entre 2004 e 2013, em mais da metade dos estados brasileiros. A maior parte do dinheiro (cerca de R$ 207 milhões) era federal e tinha sido repassada a 16 estados e ao Distrito Federal, segundo dados do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), órgão do Ministério da Justiça.

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Entre os motivos dos cancelamentos estão, por exemplo, desistência da obra por parte do estado; término do prazo do contrato, sem que a obra tivesse sido iniciada; falta de recurso estadual para pagar a contrapartida; e desrespeito à Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).

Da verba federal repassada, só houve registro de início de obra em quatro casos, que, somados, têm execução de R$ 1,95 milhão. No restante, os projetos registram 0% de execução. O Depen não informou o valor que já recebeu de volta pelos investimentos que sequer começaram. E afirmou que abriu processos administrativos para recuperar a verba empregada nas obras já iniciadas e paradas, mas não diz se houve algum repasse restituído.

Em 2013, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) pediu providências ao Ministério da Justiça e ao Ministério Público Federal após verificar que 11 estados devolveram à União o dinheiro que serviria para aumentar as vagas em presídios. No Rio Grande do Norte, o MPF abriu ação por improbidade para apurar omissão do estado, que devolveu dinheiro para um setor em péssimas condições. Há ainda inquéritos civis em curso no Mato Grosso do Sul e no Rio de Janeiro, e um inquérito policial, em Alagoas.

“Com a enorme falta de vagas, a devolução é um absurdo. Se um estado recebe dinheiro para construir ou reformar e devolve, o Ministério Público deveria saber o que aconteceu. Assim como a magistratura deveria processar os que não cumprem a Lei de Execução Penal. Se a União, o MP e a magistratura fossem diligentes, os estados teriam que usar a verba”, diz Luiz Flávio Gomes, diretor-presidente do Instituto Avante Brasil, que reúne estudos sobre o sistema carcerário no país.

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De acordo com o CNJ, faltam vagas em todos os 11 estados que devolveram verba federal - Alagoas, Ceará, Paraíba, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Sergipe, Tocantins, Goiás, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Mato Grosso do Sul.

O governo do Mato Grosso do Sul afirmou que “não houve devolução”, mas, sim, uma substituição dos projetos. O estado sustenta que “havia cadastrado projetos de ampliação junto ao Depen/MJ; no entanto, após esse cadastro, o Depen publicou uma nova portaria modificando as exigências dos projetos, o que encareceu demais o custo, inviabilizando a execução”. E diz que negociou com o órgão para que o dinheiro fosse destinado à construção de três presídios.

O governo de Tocantins informou que “houve uma renegociação financeira e de prazos”. E que o dinheiro federal “será aplicado este ano”. Já o governo do Rio afirmou que devolveu cerca de R$ 40,6 milhões por causa da “rescisão de contrato, devido ao descumprimento de prazos para a realização dos projetos”. Questionado por que esses prazos foram descumpridos, o estado não respondeu.

De um total de 130 obras, cerca de um terço estão paradas, informa relatório do Depen, atualizado em 1º de julho. Se estivessem concluídas, elas criariam 9.588 vagas. Outras 20.275 vagas poderiam ser criadas se estivessem terminadas obras que têm até 30% concluídos. O Instituto Avante Brasil informa que, de 1990 a 2013, a população carcerária brasileira cresceu 507%.

Em junho, a 7ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF deu até o final de julho para o Depen prestar informações atualizadas sobre a devolução de dinheiro para presídios e a situação das obras pendentes.

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“São políticas sensíveis, que não tratam apenas de apuração de má-fé ou negligência, mas também de acompanhar a execução de obras que demoram anos”, afirma o procurador Marcelo Godoy, secretário executivo da 7ª Câmara do MPF.

Além das obras com dinheiro federal que ficam pelo caminho, há investimentos, sem verba da União, também paralisados. É o caso, por exemplo, da construção de um complexo penitenciário na cidade de Itaquitinga, em Pernambuco. A obra estava sendo realizada por uma parceria público-privada (PPP), mas está parada desde o segundo semestre de 2012.

O governo do estado afirma que decretou a intervenção na obra e que o contrato da PPP será extinto em 90 dias, quando fará uma nova licitação cujos primeiros módulos devem ser concluídos “no primeiro semestre de 2016”.

“É uma tragédia ter recursos que não são usados por um sistema que precisa aumentar as vagas, oferecer trabalho e educação, e ainda criar um caminho para os egressos, que hoje saem sem dinheiro até para ir para casa. Deveria ser inaceitável um governo estadual devolver verba por não saber, por exemplo, criar um projeto”, diz Ignacio Cano, pesquisador do Laboratório de Análise da Violência, da Uerj.