Um caso de violência contra a mulher a cada 43 minutos. Esse é o número que salta das estatísticas da Delegacia da Mulher em Curitiba, que registra uma média de 33 boletins de ocorrência por dia, resultando em mais de mil casos por mês.
Levando-se em conta que muitos episódios não são notificados à polícia, os índices podem ser ainda maiores. No total, até meados de outubro, a delegacia contabilizava mais de 8 mil inquéritos em andamento. O número de mulheres que resolvem levar o caso à Justiça, no entanto, ainda é baixo: apenas 60% dos boletins de ocorrência viram inquéritos policiais, já que, nesses casos, é preciso que a mulher represente contra o agressor (assine um termo consentindo em processá-lo) para que o caso seja investigado e denunciado pelo Ministério Público.
Para além dos números, as reuniões que ocorrem diariamente em uma sala no térreo do prédio da delegacia dão uma ideia do desafio enfrentado pelas três delegadas, uma socióloga e psicólogas que prestam atendimento no local. Diariamente, um encontro que começa pontualmente às 13 horas entre uma psicóloga e as denunciantes tem como objetivo explicar a elas o procedimento padrão a ser seguido após o registro da ocorrência: a importância da representação criminal e de se fazer um boletim de ocorrência a cada fato novo, além do prazo legal para a prescrição do crime (seis meses a partir da ocorrência do fato). Nas reuniões, geralmente formadas com grupos de dez mulheres, metade comparece.
A delegada titular Daniela Antunes Andrade comenta o motivo que faz com que muitas não sigam adiante: "Elas perdoam. Nós estamos falando de amor, de sentimentos, de relações que já têm filhos. Muitas dizem que os filhos não vão perdoá-las por colocar o pai deles na cadeia."
A socióloga Leusa Salete Oliveira, que há 20 anos atende mulheres em situação de violência, explica que não é raro ouvir nas reuniões comentários das mulheres de que registraram a ocorrência apenas para "dar um susto" no companheiro.
Polêmica
A obrigatoriedade da representação da mulher para crimes de lesão corporal, os mais comuns dentre os configurados como violência doméstica e familiar, é objeto de polêmica entre advogados, magistrados e defensores dos direitos da mulher. Pela natureza jurídica da ação, que é caracterizada como condicionada, depende-se do consentimento da vítima para que a ação seja proposta pelo Ministério Público.
O entendimento é de que a mulher não deve ser obrigada a processar seu próprio parceiro contra a sua vontade, assim como não faria sentido, do ponto de vista jurídico, prosseguir com a ação quando o casal já estivesse reconciliado, o que geraria constrangimentos aos envolvidos. A partir de 2006, no entanto, com a promulgação da Lei Maria da Penha, que pretendia tornar mais duras as penas contra os agressores, a obrigatoriedade ou não da representação não ficou clara, o que fez com que a polêmica fosse parar no Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Os ministros da Terceira Seção do STJ votaram pela manutenção da obrigatoriedade, em fevereiro de 2010. Para os defensores do fim da obrigatoriedade, porém, a sua manutenção trata o crime de violência doméstica de forma diferente em relação aos demais. "Não podemos dar um tratamento diferenciado a esse tipo de crime, que é até mais grave do que os demais, pois acontece dentro da família. Quando uma mulher procura uma delegacia está emitindo um pedido de socorro, que não precisa ser reafirmado várias vezes", opina a presidente da Comissão da Mulher Advogada da OAB-PR, Sandra Lia Bazzo Barwinski.
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