Hoje um médico-legista demora 60 anos para chegar ao topo da carreira, segundo a lei estadual 14.678/2005. O tempo é equivalente a quase duas aposentadorias de um trabalhador comum brasileiro, que pendura as chuteiras em 35 anos de carteira assinada. A falta de bom senso da lei levou a Associação dos Médicos-Legistas do Paraná (AML-PR) a tentar reverter o quadro atual por meio da Assembleia Legislativa. Ao todo, o Instituto Médico-Legal conta com 82 médicos de carreira.
Desde o ano passado, os médicos tentam aprovar junto aos deputados estaduais o Projeto de Lei 420/2010, que muda os artigos 11 e 14 da legislação em vigor. Esses dispositivos determinam que o legista seja promovido a cada cinco anos no trabalho a carreira tem quatro classes e dentro de cada uma há três níveis. A promoção ocorre por nível. Portanto, para elevar a classe seriam necessários 15 anos. Ou seja, o legista demoraria seis décadas para alcançar o primeiro nível da primeira classe.
"O médico-legista hoje está no limbo", afirma a presidente da AML-PR, Maria Letícia Fagundes, 51 anos. Ela mesma já trabalha há 15 anos no IML e nunca recebeu sequer uma promoção. O exemplo da médica mostra a dimensão do problema. Mesmo antes da mudança, quando o quadro médico era ligado à Polícia Civil, as promoções não ocorriam.
Um médico-legista, que preferiu não ser identificado, está há 17 anos no serviço. "Hoje o legista não passa dos 70 anos de vida. Se eu tiver que trabalhar 60 pra chegar ao topo teria que quase nascer médico", afirma.
Antes de 2001, a progressão de carreira deveria ocorrer a cada três anos, assim como acontece com os policiais. Naquele ano, a emenda constitucional n.º 10 desvinculou a Polícia Científica [IML e Instituto de Criminalística] da Polícia Civil. Uma ação direta de inconstitucionalidade, assinada em 2001 pelo governo do Paraná, ainda tramita no Supremo Tribunal Federal para tentar impugnar o efeito da emenda.
Outro critério de progressão é por indicação política. Maria não questiona esse lado da norma. Ela acredita que a direção do IML e o governo devam ter a liberdade de escolha em cargos de confiança.
Peritos
O problema não para com os médicos-legistas. Além deles, a lei atinge também os peritos do Instituto de Criminalística. As duas carreiras são ligadas à chamada Polícia Científica. A presidente da Associação de Criminalística do Paraná, Kátia Aparecido Juliano, defende um intervalo de dois anos entre promoções por tempo de carreira. "Na melhor das hipóteses seriam 24 anos [para chegar ao topo]", afirma. Os médicos defendem o interstício de, pelo menos, três anos entre progressão, assim como era antes de 2001. Desse ano até 2005, com a emenda n.º 10, não havia nenhuma regulamentação das carreiras. A lei 14.678, de 2005, tentou normatizar as atividades.
Segundo Kátia e Maria Letícia, esse plano de carreira desestimula a maioria dos funcionários. "Estamos numa carreira absurda, sem regulamentação alguma", comenta Kátia. A Secretaria de Estado da Segurança Pública foi procurada para comentar qual é o plano para a Polícia Científica, mas não se pronunciou.
Para o advogado criminalista, René Ariel Dotti, o efeito do decreto deve ser desfeito neste governo. Segundo ele, as atividades de médicos-legistas e peritos são indispensáveis para a Segurança Pública. "Isso é um sério obstáculo para o aprimoramento da Polícia Científica".
O secretário estadual de Segurança Pública, Reinaldo de Almeida César, acredita que a regularização do plano de cargos e carreira dos médicos e peritos ligados ao IML depende da regulamentação da Polícia Científica no estado. "O governo passado criou a Polícia Científica, mas ela ficou apenas no papel. Os peritos ficaram num limbo e não são nem da Polícia Civil nem da Polícia Científica", completa. O secretário adiantou que pretende "dar condições perenes de trabalho" à categoria e que a regulamentação é sua "preocupação", no entanto, não adiantou se haverá reuniões com a classe para discutir o tema.
Colaborou: Maria Gizele da Silva