Como será a capital do Paraná daqui a dez anos? Essa é a premissa da revisão do Plano Diretor de Curitiba, em andamento desde 2014. O documento nada mais é do que o fio-condutor que norteará o planejamento da cidade daqui para frente.
Curitiba e o plano da “não mobilidade”
Revisão do Plano Diretor sugere novos eixos de adensamento e bairros mais autônomos a partir do modelo trinário de transporte da capital e seus BRTs
Leia a matéria completaPelo Estatuto da Cidade, criado pela Lei Federal 10.257 de 2001, o Plano Diretor precisa ser revisto de dez em dez anos. O atual Plano Diretor de Curitiba é de 2004, mas tem como base todo um histórico de planejamento urbano. O primeiro Plano Diretor da capital paranaense começou a ser desenhado em 1965, a partir do primeiro documento de desenvolvimento urbano, feito pelo engenheiro francês Alfred Agache entre 1941 e 1943.
O Ippuc tem ressaltado que não pensou apenas nos próximos dez anos, mas nos próximos 50 anos para elaborar o documento em discussão atualmente na Câmara Municipal.
Tecnicamente, é o Plano Diretor que traz os grandes conceitos de desenvolvimento de uma cidade. É com base nele que a lei de zoneamento e os planos setoriais da cidade, em áreas como Habitação e Mobilidade, serão construídos mais tarde. São esses últimos documentos que tratam das questões mais detalhadas, mais próximas do dia a dia dos cidadãos – por isso a dificuldade de se entender de forma clara as discussões do Plano Diretor, que parecem tão amplas, tão distantes da rotina dos moradores da cidade.
Ainda assim, é possível vislumbrar novidades importantes no modo como Curitiba deve se desenvolver daqui para frente. Confira algumas delas, divididas por temas:
Estrutura urbana/macrozoneamento
Orienta o crescimento da cidade, com regras sobre a distribuição espacial das atividades, a densidade ocupacional e a configuração da paisagem urbana.
Estimular a distribuição espacial da população e de atividades econômicas em áreas dotadas de infraestrutura e equipamentos públicos, em especial nos eixos estruturantes, eixos de adensamento e a área central (Art.17, II);
Induzir a ocupação de espaços vazios ou subutilizados para que eles cumpram sua função social (Art.17, VIII). Esses espaços vazios ainda precisam ser mapeados pelo Ippuc;
Regularizar assentamentos de interesse social já consolidados, incorporando-os à estrutura urbana, respeitado o interesse público (Art.17, XII);
Qualificar progressivamente os centros de bairros que são referências para a comunidade local devido à infraestrutura, equipamentos públicos e atividades comerciais e sociais (Art. 17, XIII). No geral, a ideia do Ippuc é de reconhecimento das centralidades que já existem e a de criação de novas centralidades, dotadas de infraestrutura e serviços, evitando o deslocamento excessivo dos moradores de Curitiba;
Os estudos de ocupação deverão observar a definição de “compartimentos urbanos”, áreas rodeadas por eixos estruturais e de transporte, com pluralidade de funções e atividades, que reduzam a necessidade de deslocamento na cidade(Art. 18). Ainda neste sentido, as áreas de predominância residencial de média densidade também devem ser alvo, agora, da instalação de comércios e serviços (Art.20, III);
As densidades brutas de ocupação, que ajudam a orientar o adensamento populacional, passam a ter níveis bem definidos: áreas de baixa densidade são aquelas de até 80 habitações/hectare; média de densidade, entre 81 e 200 habitações/hectare; e alta densidade, entre 201 habitações/hectare a 400 habitações/hectare (Art.20, inciso 2.º);
Criação de quatro áreas de ocupação controlada em regiões ambientalmente frágeis, duas no Norte (Cachoeira e São João) e duas no Sul (Campo de Santana e Umbará). e uma área entre o Campo de Santana e o Caximba. No Norte pretende-se proteger áreas de bosques e evitar o aumento da densidade em terrenos íngremes (mais sujeitos a deslizamentos). No Sul, o objetivo é proteger a Área de Proteção Ambiental (APA) do Rio Iguaçu e perto da Reserva do Bugio;
A área de uso misto do Centro foi ampliada e passa a abranger o Setor Histórico e o São Francisco;
As áreas de destinação específica (prioritariamente industrial e de serviços) no Atuba foram reduzidas, já que boa parte delas já é ocupada por residências.
Mobilidade urbana e transporte
Tem o compromisso de facilitar os deslocamentos e a circulação de pessoas e bens no município.
Priorizar no espaço viário o transporte público coletivo em relação ao transporte individual motorizado, e o modo de deslocamento não motorizado em relação ao motorizado (Art. 29, I);
Promover estudos e regulamentar, no âmbito da competência municipal e em conjunto com órgãos federal e estadual, a definição de espaços de circulação, instalação de áreas e equipamentos que possibilitam a operação de veículos aéreos não tripulados (como os drones) (Art. 29, XVII);
Dinâmica populacional dos bairros desafia Plano Diretor de Curitiba
As regiões da capital que mais ganharam moradores nos últimos dez anos não receberam infraestrutura adequada, dizem especialistas
Manter e aprimorar o Sistema Integrado de Mobilidade (SIM), voltado ao monitoramento integrado e remoto do transporte público coletivo e do trânsito (Art.29, XVIII);
De maneira geral, além da criação de novos eixos estruturantes e eixos de adensamento, o novo Plano Diretor também propõe a criação de cinco novos eixos de transporte da cidade (que em alguns casos se confundem com os eixos citados anteriormentes). Esses eixos de transporte são, nada mais, nada menos, que a requalificação das antigas Conectoras – concebidas para fazer a ligação do eixo estrutural ao oeste da cidade, especialmente à zona industrial – e a ligação delas com os quatro eixos de transporte existentes (Norte-Sul, Leste-Oeste, Boqueirão e Linha Verde);
Abertura de possibilidade para a restrição e controle de acesso e circulação, permanente ou temporário, de veículos motorizados em locais e horários predeterminados. E aplicação de tributos sobre modos e serviços de transporte urbano com receita vinculada a melhorias do setor. Em outras palavras, há espaço agora para ações como o pedágio urbano (Art. 30, I e II);
Estimular o transporte solidário ou compartilhado – como as iniciativas de carona solidária e os aplicativos diversos de mobilidade (Art. 30, VI);
Plano Diretor prevê eixos de transporte leste-oeste para adensar vazios urbanos
Proposta está no texto inicial apresentado pelo Ippuc ontem. Ideia é que habitação social ocupe áreas mais providas de infraestrutura
Articulação com o governo federal e governo estadual a obtenção de subsídios ou meios de desoneração para baratear a tarida do transporte público coletivo. O Plano Diretor de 2004 e em vigor atualmente não prevê essa possibilidade, mas, na prática, a Rede Integrada de Transporte da região metropolitana de Curitiba vem recebendo subsídios e desonerações desde 2012. Um detalhe: a possibilidade prevista no novo Plano Diretor não especifica a tarifa que seria beneficiada por subsídios e desonerações (se a técnica, aquela paga às empresas, ou a do usuário) (Art.31, XII);
Aperfeiçoar e ampliar gradualmente o sistema de bilhetagem eletrônica (Art. 31, XIV);
Articular junto aos governos federal e estadual a concessão das fixas de domínio das linhas férreas, após a extinção da operação deste sistema, para o uso público municipal com ênfase em estruturação viária de transporte (Art. 34, VII);
Definir padrões de calçadas com características acessíveis (regular, firme, estável e antiderrapante) e ampliar a rede de calçadas acessíveis no entorno de equipamentos públicos e em rotas que levem a eles (Art. 38, II e III);
Elaboração dos planos Cicloviário e de Pedestrianização e Calçadas (Art. 38, IX, e Art.39, I);
Implantar um sistema de bicicletas compartilhadas integrado à rede de transporte coletivo (Art.39, V).
Meio Ambiente e Cultura
Promove a conservação, proteção, recuperação e o uso racional do meio ambiente, em seus aspectos natural e cultural, visando a preservação ambiental e a sustentabilidade da cidade, para a atual e as futuras gerações.
Adotar a bacia hidrográfica como unidade territorial de gestão e planejamento ambiental (Art. 46, VI);
Incentivar a utilização de sistemas de drenagem urbana sustentáveis em complemento a drenagem pluvial tradicional(Art.46, XIV);
Incentivar a agricultura urbana, como forma de promover a racionalização do território, a conservação da cultural local, a preservação da paisagem tradicional e a produção de alimentos, garantindo a salubridade ambiental no município (Art. 46, XVIII);
Reduzir gradativamente (antes era “anualmente”) a emissão de poluentes nocivos à saúde, conforme o Plano Setorial de Desenvolvimento Ambiental (Art. 46, XXI);
O município estabelecerá, em instrumento próprio (lei ou decreto): o Programa de Pagamento por Serviços Ambientais (PSA), que compensará pessoas jurídicas e físicas que atuam, isolada ou cumulativamente, na conservação e melhoria ambiental da cidade; e o Plano de Mitigação e Adaptação as Mudanças Climáticas, com o objetivo de estabelecer ações e medidas visando a redução gradativa das emissões de gases de efeito estufa da cidade (Art. 49);
Criar um sistema único de informações dos bens de valor cultural (Art.51, III);
Instituição de um Conselho Municipal de Patrimônio Cultural (Art. 52, III);
Estabelecimento de um sistema de penalidades ao descumprimento das obrigações de conservação, preservação e proteção dos bens culturais protegidos (Art. 53, IV).
Paisagem urbana e uso do espaço público
A paisagem urbana é a configuração visual da cidade e seus componentes, resultante da interação entre os elementos naturais e culturais.
Elaborar o Plano de Zoneamento Subterrâneo, de modo a mapear, ordenar, classificar e disciplinar a infraestrutura de serviço da cidade (Art. 56, V);
Pactuar junto às concessionárias de energia e comunicação programas contemplando prazos e condições para a substituição gradual das redes de distribuição aérea pelo sistema subterrâneo (Art. 56, VI).
Habitação
Essa parte pretende orientar o poder público e a iniciativa privada para propiciar o acesso à moradia, priorizando famílias de menor renda, num processo integrado às políticas de desenvolvimento urbano e regional e demais políticas municipais.
Priorizar a ocupação das áreas já infraestruturadas que estejam não edificadas, subutilizadas ou não utilizadas, através da aplicação de instrumentos de política urbana (Art. 58, III);
Revisar o Plano Setorial de Habitação (Art. 58, VI);
Imóveis vazios desafiam Plano Diretor
Prédios, casas e terrenos desocupados viram mocós ou depósitos de lixo e vão esquentar as audiências públicas com o debate sobre desapropriação e IPTU progressivo
Ampliar os recursos do Fundo Municipal de Habitação de Interesse Social (FMHIS) mediante previsão no orçamento municipal de aportes regulares de recursos e utilização dos instrumentos de política urbana previstos neste Plano Diretor (Art.60, III);
Promover estudos e projetos de aluguel social como forma de viabilizar o acesso à habitação de interesse social aos mais diversos segmentos da população, tais como estudantes, jovens e idosos, priorizando a população de baixa renda. A intenção do Ippuc é ofertar unidades que venham a pertencer ao município por meio, principalmente, da requalificação de edificações abandonadas (Art. 64, III) para moradores que paguem um valor baixo pela habitação temporária. No mês passado, a Câmara Municipal aprovou, porém, uma lei que vai em uma direção diferente, a de fazer com que o município subsidie a famílias em situações de risco determinadas o valor de um aluguel de até um salário mínimo regional. Esta lei ainda precisa ser regulamentada com detalhes como o limite de pessoas atendidas, a origem dos recursos, entre outros. (Art. 60, VI);
Monitorar a política de habitação de interesse social por meio de um sistema permanentemente atualizado, permitindo o acesso da população às informações monitoradas (Art. 60, IX);
Criação da demarcação de “Setor Especial de Interesse Social (SEHIS) Vazios” também em imóvel público ou privado, dotado de infraestrutura urbana, com o objetivo de implantação de empreendimento de interesse social (Art. 62, II). A ideia do novo Plano Diretor é que a prefeitura faça um mapeamento dos chamados vazios urbanos: propriedades privadas ou públicas não edificadas, subutilizadas ou abandonadas, com área igual ou superior a 2 mil metros quadrados. Se os proprietários não tiverem interesse em ocupar essas áreas, as mesmas poderão ser desapropriadas para a produção de unidades habitacionais;
Fica estabelecida a Cota de Habitação de Interesse Social, entendida como a contrapartida obrigatória exigida nos empreendimentos de grande porte para a produção de habitação de interesse de social. A Cota poderá ser isolada ou cumulativa, consistindo na produção de unidades de habitação no próprio empreendimento, na transferência não onerosa em favor do município de imóvel em áreas próximas para fins exclusivos de habitação de interesse social ou ainda na forma de um depósito ao FMHIS. Uma lei municipal específica precisará regulamentar a Cota (Artigos 65, 66 e 67);
Instituição de um projeto de regularização fundiária com parâmetros especiais para a urbanização de ocupações e priorização da permanência da população nos locais, e, no caso de necessidade reassentamento, com realocação no entorno imediato da área a ser esvaziada. Sem previsão, porém, de gratuidade de todo o processo de regularização, que é uma das atuais queixas dos movimentos por moradia (Art. 69);
Segurança e Defesa Social
Buscar garantir a proteção, a segurança pública e capacidade de previsão, defesa e acolhimento em situações de calamidade.
Execução de políticas de segurança em âmbito municipal, com atuação direta da Guarda Municipal na prevenção à violência acidental (Art. 89, I);
Fortalecer a estrutura da Guarda Municipal como forma de garantir sua presença qualificada e suficiente em ambientes, eventos e situações de interação social, visando à prevenção primária da violência, priorizando a proteção à população em patrulhamento preventivo, cooperando com os órgãos estaduais de segurança e com a defesa civil (Art. 90, II);
Criar incentivo a gestão compartilhada da segurança na cidade, mediante mecanismos que facilitem e estimulem a utilização conjunta da estrutura de equipamentos e informações pelo poder público e pelo cidadão (Art. 90, IV). Uma possibilidade, nesse caso, é o de compartilhar imagens de monitoramento privado e público;
Instrumentos de política urbana
Servem para ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, e para o planejamento, controle, gestão e promoção do desenvolvimento urbano.
Garantir a função social dos imóveis por meio da aplicação de mecanismos como o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) progressivo no tempo para propriedades não edificadas e subutilizadas – de 2 mil metros quadrados ou maiores –, ou ainda não utilizadas – por mais de três anos ininterruptos e com mais de 500 metros quadrados –, situadas nos eixos estruturantes e de adensamento, entre outras regiões (Art. 96). Uma lei municipal específica, porém, ainda precisará ser feita para regulamentar as etapas e critérios mais específicos para a aplicação desses instrumentos;
Ficam indicadas novas áreas para a aplicação da operação urbana consorciada (instrumento que permite um conjunto de intervenções com a participação da sociedade civil) : a área central, os eixos estruturantes em geral, o eixo de adensamento da Marechal Floriano e os setores conectores. Antes só a Linha Verde era o foco das operações consorciadas. Nessas áreas poderão ser modificados os índices e características de parcelamento e uso de solo, os parâmetros para regularização de construções e a ampliação de espaço públicos e comunitários, além da oferta de habitação de interesse social. As operações que foram aprovadas deverão ter lei específica, prevendo, entre outras coisas, um estudo de impacto de vizinhança para os empreendimentos e a exigência de uma contrapartida dos empresários que participarem em troca das vantagens oferecidas pelo município (Art. 123, 124 e 125);
Introdução do instrumento de redesenvolvimento urbano, que permitirá a implantação de projetos urbanos de reconhecido interesse público nos eixos estruturantes e de adensamento, nas operações consorciadas urbanas e no Setores Especiais de Habitação de Interesse Social (SEHIS). Entre as possibilidades de realização dos projetos de redesenvolvimento urbano estão as parcerias público-privadas (Art. 132 a 138);
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