Flora: nem os adversários falavam mal de Bento Munhoz da Rocha| Foto: Rodolfo Bührer/Gazeta do Povo
Quem votou em Bento Munhoz da Rocha Netto
CARREGANDO :)

Se for preciso listar duas qualidades do marido e ex-governador do Paraná, dona Flora Munhoz da Rocha não pensa duas vezes ao dizer que, primeiramente, ele era um excelente orador e, depois, um homem que prezava pela liberdade humana. A habilidade de falar em público e calar a multidão rendeu a Bento Munhoz da Rocha o apelido de pássaro uirapuru – ave da Amazônia que, segundo os caboclos, quando canta silencia a floresta. Bento era assim: foi um dos únicos políticos capaz de calar a Câmara dos Deputados enquanto fazia seu pronunciamento, algo que hoje talvez seja impossível de acontecer.

"Acho que ele ganhou não por ter sido governador, mas pela pessoa que foi. Não conheço ninguém, nem mesmo adversários políticos, que fale mal dele. Ele tinha um caráter muito firme, não saía das suas diretrizes. Para mim, ele sempre foi o supremo, o maioral de todos os homens", afirma.

Publicidade

Dona Flora mora na Praça Osório, local que Bento apelidou de "apartamento da viúva", fato que ela conta entre muitos risos. "Ele dizia: vou comprar esse apartamento para você morar quando ficar viúva. Eu falava que poderia morrer antes dele, mas Bento respondia que os Camargo não morrem nunca. Sempre elogiava a longevidade de nossa família. Um ano depois ele faleceu." Bento não largava os cigarros e acabou sendo vítima de um enfisema pulmonar. Dona Flora costumava dizer que ele fumava cinco metros de cigarro por dia, numa época em que não se sabia tanto sobre os malefícios do fumo.

Quanto à longevidade, o ex-governador estava certo: aos 97 anos, dona Flora esbanja saúde. Do "apartamento da viúva", ela concedeu entrevista à Gazeta do Povo. Contou dos cinco filhos, 17 netos, 30 bisnetos e dos dois trinetos. Atualmente, o livro de cabeceira da ex-primeira-dama é Quando Nietzsche chorou, que ela costuma ler sem os óculos.

Como era o Bento pai e marido?

Reservado e ao mesmo tempo expansivo. Não costumava falar muito das coisas dele. Também não gostava do mando. Achava que a liberdade era o bem mais precioso que a pessoa tinha. Em casa, ele deixava eu resolver as coisas. Imagine, era uma época de machismo, em que as mulheres eram criadas para obedecer aos maridos. No início, eu estranhava ter de decidir sem perguntar a ele.

Como foi ser primeira-dama?

Publicidade

Estive sempre ao lado de Bento, apesar de não ter gostado de vê-lo entrar na política. Não era o gênero dele, porque na política tem muita armação e sujeira. Coisas que não condiziam com ele. Nesse aspecto, Bento chegava a ser ingênuo, porque era autêntico.

Bento foi o governador durante o centenário. Isso pesou muito durante a carreira política dele?

Foi uma honra para ele. É verdade que corremos muito em 1953, porque existiam muitas cerimônias para ir. Teve também a inauguração do Palácio Iguaçu, local que ajudei a decorar com o auxílio do decorador Julio Cena, do Rio de Janeiro. Engraçado que meu marido perguntava para mim: Flora, como você sabe que essa gravata é bonita e a outra não é? Eu respondia: é sorte minha, porque se você tivesse bom gosto, não casava comigo (risos).

Como foi a infância de Bento?

Sei que ele era doido pelo pai. Aonde o Dr. Caetano ia, o Bento ia atrás. Nas fotos, ele sempre aparece com o pai. Ele me contava que, quando era garotão, com cerca de 12 anos, ia para o porão da casa, em Paranaguá, para ficar falando sozinho. Desde aquela época ele já gostava de fazer discursos. Bento foi muito estudioso, quando fez o curso de Engenharia tirou a medalha de ouro da turma.

Publicidade

Como foi servir o jantar, em sua casa, a Getúlio Vargas, durante a visita do presidente a Curitiba?

Quando Bento foi eleito governador, Getúlio veio ao Paraná. Na época, ficou decidido, pelo Itamaraty, que ele iria jantar em minha casa. Então falei: vou tratar muito bem desse velhinho, mas não vou dar bola para ele porque eu não gosto dele. Quando Getúlio saiu de minha casa, eu estava getulista. Nunca vi um homem tão atraente em toda a minha vida. Ele tinha uma empatia grande. Se preocupava muito com os outros e não falava quase nada dele.

A senhora não gostava de Vargas por causa dos acontecimentos da Revolução de 30?

Sim. Meu pai, Affonso Alves de Camargo, e o Getúlio foram contemporâneos: meu pai era governador do Paraná e ele do Rio Grande do Sul. Eram muito amigos até que Vargas se candidatou à Presidência, mas perdeu as eleições para Julio Prestes. Ele não se conformou e fez a Revolução. Por causa dessa revolução, meu pai foi deposto do cargo. E meu sogro, Caetano Munhoz da Rocha, que era senador na época, também teve a sua candidatura cassada. Foi horrível. Os revoltosos nos perseguiram. A casa onde morávamos foi a leilão. Mas, voltando ao jantar. Por causa de 30, ao chegar na nossa casa, Getúlio perguntou de meu pai e, quando soube que ele estava lá, porém doente, ele quis vê-lo. Subiu as escadas e o abraçou. Disse que nunca desejou o mal a nossa família.

Qual foi a maior paixão de Bento, a política ou o magistério?

Publicidade

Acima de tudo, ele era professor. Adorava dar aula de Sociologia, de História da América. Ele gostava muito de ler em casa. Era um tipo de leitura que não era para mim. Lia Sociologia, Filosofia, só textos científicos. Acredito que ele nunca tenha lido romances, esses livros ele costumava me dar de presente. O último que ganhei foi de Clarice Lispector com uma dedicatória muito bonita: "Flora, a felicito por ter sabido conservar o nosso amor, começado há mais de 30 anos."

Ele admirava alguém? Quem?

Brasil Pinheiro Machado. Era um homem muito erudito e estudioso, que foi nomeado interventor federal no Paraná durante o governo de Gaspar Dutra.

Como foram os momentos finais da vida dele?

No dia em que ele morreu, estávamos casados há 44 anos. Ele perguntou para mim: quanto falta para nossas Bodas de Ouro. Eu brinquei e disse que era para ele agüentar as pontas porque eu não iria abrir mão de fazer uma festança. Ele sorriu. É verdade, faltavam seis anos ainda. Pena que ele morreu tão jovem.

Publicidade