São Paulo - Casos de aborto legal na rede pública cresceram 242,6% nos últimos oito anos, segundo dados do Ministério da Saúde. Em 2000, 930 mulheres e 16 crianças procuraram o serviço público para interromper legalmente a gravidez. No ano passado, foram registrados 3.241 procedimentos do tipo no país. De acordo com a legislação brasileira, o aborto é legal nos casos de estupro e risco de vida para a mãe. Na maior parte dos casos atendidos, a gravidez resulta de estupro.
O caso da menina de Pernambuco que abortou de gêmeos depois de ser sistematicamente abusada pelo padrasto não é exceção. Ano passado, 49 crianças de até 14 anos fizeram aborto com amparo legal no país, um aumento de 122% em relação a 2007. Entre 2000 e 2007, foram 176 casos de abortamento legal de crianças. Em 2005, duas morreram em tentativas frustradas de aborto clandestino.
O número de abortos com amparo legal em adolescentes revela a gravidade do problema. Nos últimos oito anos, foram 2.950 procedimentos desse tipo na rede pública em meninas entre 15 e 19 anos, 578 só no ano passado. Os números apontam que essas jovens violentadas estão deixando de recorrer a práticas clandestinas para buscar seu direito de ter acesso ao serviço público. "Os atendimentos de complicações de aborto caíram desde a ampliação do serviço de aborto com amparo legal na rede pública", diz a coordenadora de Saúde da Mulher do Ministério da Saúde, Lena Peres. Em 2000 houve 238.902 intervenções hospitalares para atender vítimas de abortos malsucedidos. Já em 2007, foram 222 mil atendimentos de emergência para situações de aborto, a maior queda desde 1997.
A interrupção da gravidez decorrente de estupro pode ser feita sem que a mulher procure a polícia. Cerca de 55 hospitais são referência no país. O ideal é que a vítima procure o serviço de saúde para prevenção com a pílula do dia seguinte.
O aborto é, segundo o Ministério da Saúde, a segunda causa de mortalidade materna no país. Para cada um dos 236 mil casos de aborto clandestino que acabaram nos hospitais públicos no ano passado, estima-se que há quatro clandestinos não notificados. Quem tem dinheiro paga até R$ 5 mil. Quem não tem, usa chás e agulha de crochê. O remédio mais popular custa R$ 200. A mortalidade materna por aborto cresceu 5,7% entre 2000 e 2006, quando foram registradas 92 mortes, alerta o médico Jéferson Drezett, coordenador do Serviço de Violência Sexual do Hospital Pérola Byington, de São Paulo. "No Brasil, morre uma mulher por aborto dia sim, dia não. É muito grave. Agora, estamos tendo de enfrentar a maternidade infantil, com a mortalidade de 15 crianças por ano no parto".
O médico Luis Codina, do Opas (Organização Panamericana de Saúde), confirmou que a instituição estima que no Brasil são realizados, em média, um milhão de abortos clandestinos por ano. "É um número real, um problema de saúde pública. Uma consequência de uma cadeia malsucedida de eventos dramáticos, violência e falta de planejamento familiar".
A psicóloga Daniela Pedroso, que atende no Hospital Pérola Byington há 12 anos, diz que, entre as vítimas de estupro, muitas são religiosas. "A maioria é católica, mas pensa: Não posso ter essa criança, não consigo. A culpa judaico-cristã depois se justifica porque ela diz a si mesma que só abortou porque foi estuprada", conta.