Apesar da postura frequentemente impaciente e até mesmo litigatória com a legislação local, as companhias da chamada “economia compartilhada” parecem estar começando a entender que, às vezes, é preciso ceder para evitar problemas regulatórios maiores. A plataforma de alugueis de curta duração Airbnb anunciou que a partir da próxima primavera (março/abril de 2017) seguirá uma diretriz da prefeitura de Londres que limitará a locação de casas e apartamentos inteiros a no máximo 90 dias por ano. Essa atitude “autorreguladora” é algo novo: pode ser apenas uma precaução em relação às intenções do novo prefeito de Londres, Sadiq Kahn, de discutir nacionalmente uma legislação para barrar o que ele considera um “crescimento desenfreado do Airbnb”; ou ainda o início de uma nova postura, mais conciliadora, da plataforma.
Assim como o Uber, a companhia criada em São Francisco, Estados Unidos, em 2008, tem ignorado ou mesmo lutado contra (algumas vezes judicialmente) as tentativas de cidades mundo afora de regular a plataforma, movimento este mais forte na Europa. Neste ano, Berlim baniu o aluguel de curta temporada – especialidade do Airbnb –, ameaçando donos de imóveis que desobedecerem a medida com multas de 100 mil euros. Mesmo assim, o Airbnb continua divulgando imóveis da capital alemã em sua plataforma. No Brasil, a necessidade de se impor algumas regras para o serviço ou não está em discussão no Senado e na Câmara dos Deputados.
Cidades com baixos estoques de imóveis para locação têm alertado há algum tempo que o Airbnb é uma ameaça porque retira residências do mercado de aluguel de longa temporada, aquele destinado à moradia. Esse alerta já foi dado em Londres, Berlim e Barcelona (onde o custo do aluguel subiu 33% nos últimos três anos). A plataforma, por sua vez, vem rebatendo que situações como baixo estoque ou mesmo alto custo do aluguel não são sua culpa, citando estudos como o da ONG Institute for Public Policy Reaserch, que em um levantamento recente mostrou que as residências listadas no Airbnb representam apenas 1% do total de estoque de imóveis de Londres. Mesmo na área central (the City, Westminster, Kensington e Chelsea), segundo o estudo, o Airbnb responderia apenas por 3% a 4% dos imóveis.
Pode parecer lógico acusar as autoridades municipais de “podar” o Airbnb por razões políticas ou mesmo pelo lobby do setor hoteleiro. Um estudo da Universidade de Boston mostrou em 2014 que o crescimento da plataforma resultava em queda na receita hoteleira. Mas a realidade é um tanto mais complexa. Em Londres, o Airbnb é um competidor significativo do setor hoteleiro, segundo um relatório da consultoria PricewaterhouseCoopers, mas não chegar a ser algo fatal: apesar da competição, a capital do Reino Unido tem uma indústria hoteleira que cresce mais de 2% ao ano. São cerca de 150 mil acomodações em hotéis na cidade. Mesmo que outras 40 mil residências tenham sido locadas via a plataforma em 2015, a maioria delas ficou disponível por apenas um curto período de tempo, não 365 dias no ano como os quartos de hotel.
Não atrapalha, mas ajuda?
Haveria espaço, então, para o Airbnb e outras empresas do tipo – Onefinestay, Travelmob, Tripping.com –, sem grandes incômodos, em cidades maiores. Mas Londres, Berlim, Barcelona e outras não devem deixar essas plataformas em paz tão logo e há pelo menos duas razões para isso.
A primeira é que o Airbnb não parece colaborar diretamente para resolver nenhum grande problema das cidades. A exemplo de Barcelona, por exemplo, poderia se dizer que a plataforma ajuda a atrair mais turistas, mas a cidade espanhola não quer mais turistas! A outra razão é que as companhias da dita economia compartilhada criam dissonâncias em mercados já consolidados. Hoteis e companhias de táxi são obrigados a “pular a corda” da regulação, pagam suas tarifas e taxas. Já os dissidentes do Vale do Silício declinam fazer isso e lutam com unhas e dentes quando autoridades locais se mostram contrariadas.
Na Europa, o conceito sobre o que é justo ou não costuma ter mais relevância do que nos Estados Unidos, especialmente nos locais onde partidos de esquerda dominam o cenário político. Londres, Berlim e Barcelona são todas cidades que refletem esse cenário. Ao mesmo tempo, as grandes cidades não precisam, de fato, dessas companhias. Essa constatação deveria determinar a natureza do relacionamento entre as duas partes, ou seja, as companhias deveriam tentar não ser “intrusas” nas cidades. A intenção do Airbnb de atender a exigência de Londres é um passo nessa direção. Remover da plataforma os imóveis listados em Berlim e negociar uma regulação com a capital alemã para recomeçar as operações por lá poderia ser o segundo. Muitos outros passos voluntários são necessários.