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Voluntárias do Projeto Catavento, que auxilia crianças vítimas de trabalho infantil. Repasse internacional caiu pela metade | Antonio More/Gazeta do Povo
Voluntárias do Projeto Catavento, que auxilia crianças vítimas de trabalho infantil. Repasse internacional caiu pela metade| Foto: Antonio More/Gazeta do Povo

Explicação

Redução da desigualdade não justifica corte de verbas

A justificativa para a míngua dos recursos internacionais de que o Brasil reduziu a desigualdade social e as entidades têm mais incentivos governamentais é questionável, segundo o sociólogo e membro da diretoria da Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais (Abong), Ivo Lesbaupin. "A desigualdade social foi amenizada, mas ainda existe uma enorme discrepância entre os mais ricos e os mais pobres. A faixa de 1% da população mais rica fica cada vez mais rica."

Lesbaupin, que integra também a ONG Iser Assessoria, dedicada à área de educação, crê que as organizações que investem no terceiro setor, sejam internacionais ou não, ainda são atraídas por ações que gerem resultados a curto prazo. "Os estados neoliberais não querem resultados empíricos, como a formação. Preferem ações pontuais. E sanar o problema da desigualdade implica em mexer nas estruturas."

O sociólogo avalia que programas de transferência de renda, como o Bolsa Família, mal resolvem os problemas de alimentação e que o aumento real para os trabalhadores não é comparável com o lucro de entidades como as instituições bancárias, por exemplo. "Neste ano, os bancos lucraram 35% a mais.

Nenhum aumento, mesmo acima da inflação, se torna satisfatório."

A coordenadora do Núcleo Interdisciplinar de Estudo sobre o Terceiro Setor da UFPR, Ana Lúcia Jansen Mello de Santana, concorda que o país é desigual, mas acredita que a redução na necessidade de subsídios internacionais pode ser um bom sinal. "Estamos nos libertando. O que não pode diminuir é a busca desses recursos com projetos impactantes e de relevância." (IR)

  • Veja a situação das ONGs

Os recursos enviados como ajuda estrangeira a entidades brasileiras têm diminuído desde 2007. Em quatro anos, foram 31% a menos; sendo que 43% das instituições filantrópicas frearam os repasses de 2009 para 2010. Um levantamento feito pelo Instituto Fonte para o Desenvolvimento Social, com 41 organizações não governamentais (ONGs) internacionais, mostra ainda que 15% delas preveem a suspensão completa das doações até 2015. No Paraná, a situação não é diferente: organizações que conseguem dinheiro de fora estabelecem convênios graças a bons contatos no exterior, mas preferem focar os esforços na captação de recursos nacionais.

A crise econômica mundial que atingiu fortemente os países que mais investem no terceiro setor (como Estados Unidos, Alemanha e França) e o fato de o Brasil ter crescido economicamente e diminuído as desigualdades sociais são alguns argumentos das instituições avaliadas no estudo. "A redução dos recursos doados por organismos internacionais tem sido drástica desde o começo da década", explica a coordenadora do Nú­­cleo Interdisciplinar de Estudo sobre o Terceiro Setor da Uni­versidade Federal do Paraná (UFPR), Ana Lúcia Jansen Mello de Santana.

De acordo com a especialista, dois fatores contribuíram para a redução dos repasses internacionais: a criação de políticas sociais no Brasil e a reversão de verbas a regiões geopolíticas que passaram a ser prioritárias, como a África e a Ásia. "O Brasil já está consolidado democraticamente e os apoios para comunidades carentes dentro do país se fortaleceram", diz Ana Lúcia. No Paraná, ela diz que não existe tradição em buscar investimentos no exterior. E quando as verbas vêm, costumam ser destinadas para as regiões Nordeste e Norte. "O Paraná é um estado economicamente bem situado e que não apresenta as mesmas carências."

Na Central de Notícias da Criança e do Adolescente (Ci­­randa), o projeto Catavento conseguiu R$ 45 mil no ano passado, doados pelo grupo filantrópico austríaco Welt-Gruppe Lieboch para desenvolver um trabalho de contraturno escolar com crianças vítimas de trabalho infantil. Neste ano, a Ciranda fez um novo pedido e conseguiu R$ 21 mil para uma ação de geração de renda na mesma comunidade, o bairro Jardim Liberdade, em Colombo, na região metropolitana de Curitiba. Mas a ajuda internacional não é recorrente na ONG. "De forma geral, sentimos dificuldade em buscar recursos fora. A maioria dá preferência para o Nordeste do país", conta a gestora do projeto, Maria José Machado dos Santos.

O Hospital Pequeno Príncipe, que recebe doações de grupos internacionais presentes no Brasil (como Carrefour, Banco Credit Suisse e Volvo), teve um aumento de 27% nos doadores de 2008 para 2009, porém, o subsídio médio dos estrangeiros diminuiu em 45% por causa da crise financeira. "Como tiveram menos lucro, eles têm menos impostos para serem utilizados na renúncia fiscal", diz a diretora-executiva do hospital, Ety Cristina Forte Carneiro.

A Sociedade Protetora dos Animais de Curitiba recebeu recentemente apoio da Humane Society of the United States, uma das maiores entidades do mundo que trata da proteção dos animais, para participação em um congresso internacional. Porém, esse foi o único repasse de verbas de fora do país que a ONG obteve. "É muito difícil encontrar apoio. Além disso, com as demandas diárias da sociedade e o trabalho exclusivamente voluntário, acaba faltando tempo para insistir", explica a presidente da entidade, Soraya Simon.

Exceção

Na contramão dessa tendência, a Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem (SPVS), que atua com ações de conservação de biodiversidade do Paraná, preserva parcerias antigas com organizações como a The Nature Con­servancy, dos Estados Unidos, e não viu diminuir os recursos internacionais. "Há um interesse crescente na área de conservação ambiental. As empresas estão começando a enxergar que a degradação ambiental gera prejuízo econômico e que as ações de conservação são investimentos, e não doações", salienta o diretor-executivo Clóvis Borges.

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Interatividade

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