Tudo o que o jovem Alexandre Oliveira Pontes queria fazer na tarde da quarta-feira de Cinzas era sacar dinheiro para cortar o cabelo. Poderia ter ido ao banco a pé, ali do finalzinho da Rua Cuiabá, na Vila Casoni (Londrina, Norte do PR), onde mora com dois irmãos mais velhos. Mas ele precisou pegar dois ônibus para ir à agência da Avenida Duque de Caxias porque o cartão eletrônico ainda não havia chegado.

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Foi sacar na boca do caixa, como se diz. Alexandre, que não fala nem ouve, pegou os R$ 50 e resolveu ir à loja de conveniência do posto do outro lado da rua. O que lhe aconteceu depois daquilo virou notícia até no Jornal Nacional. Acusado de tentar roubar um toddynho, pelo qual ele garante ter pago R$ 2,50, o rapaz ficou quase duas semanas preso com mais de 30 homens numa cela sem luz do 2º Distrito Policial.

Sem saber por que estava ali, descarregou todas as emoções em duas cartas escritas à mão. Talvez pela dificuldade em se expressar oralmente, as frases estão um pouco desconexas no papel, mas foi possível ler algumas palavras-chave: fé, dor, mãe, medo, perigo, Deus, saudade. Estranhou a ausência dos pais e dos três irmãos naquele período difícil em que presenciou um princípio de rebelião. Não sabia que a burocracia impediu as visitas dos familiares.

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Alexandre também sentiu falta da internet, que ele tanto adora, e do convívio com os amigos surdos-mudos que freqüentam o grupo de jovens de uma igreja batista do centro da cidade. Lá, o assunto preferido é o hip-hop e um de seus grandes expoentes, o rapper "50 Cent". O DVD do ídolo é o primeiro da pilha ao lado da TV. Toca direto no som de Alexandre.

Privado de tudo o que mais gostava, o rapaz voltou para casa na última segunda-feira sem falar em justiça ou punição aos que lhe impuseram algumas humilhações. Ele só quer uma coisa: "Esquecer tudo isso e ficar com a minha família".

Pediu à mãe que jogasse fora o bermudão vermelho que usava naquele dia 21 de fevereiro. Também garantiu que nunca mais vai vestir as roupas largas de quem curte muito o hip-hop. "Me prenderam por causa da roupa. Não vou mais usar", afirmou, sempre com a ajuda da irmã, Ivani.

Aos poucos, Alexandre espera poder voltar a andar na rua sem preocupações. O apoio da transportadora onde trabalha há seis meses como auxiliar de armazenagem é irrestrito. Na mesma segunda-feira em que foi solto, coincidentemente no dia em que completou 20 anos de vida, a chefe fez questão de levar o bolo na festinha simples que a família preparou para ele em casa. Os parabéns vieram acompanhados de alguns pedidos. Cortar o cabelo numa boa deve ter sido o mais singelo deles.

"Ele nunca negou ter ido à loja"

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Primeira a ser informada da prisão de Alexandre Pontes, a irmã dele, a vendedora Ivani, 24 anos, disse que em nenhum momento o irmão negou ter ido à loja de conveniência, como estaria escrito no depoimento do rapaz. Segundo Ivani, Alexandre, que é surdo-mudo, teria declarado que não estava na loja no momento da abordagem feita por dois policiais civis, que lhe deram voz de prisão no ônibus.

"Não poderiam deixar que ele depusesse sozinho, sem um intérprete. Ele nunca negou que foi à loja", disse a irmã. Ivani também estranhou o fato de a prisão do irmão ter ocorrido quase uma hora depois de ele ter deixado a conveniência. Alexandre contou que ainda foi a um cyber café ao lado do posto de combustível antes de voltar para casa. "Se ele tivesse ameaçado alguém, teriam que fazer alguma coisa na hora", questionou.

Mãe diz que o filho está traumatizado

A mãe de Alexandre, Suleide Pontes, disse ontem que os responsáveis pela prisão de seu filho devem ser punidos. "Não sei se é culpa do Estado ou da loja, mas queremos justiça", afirmou. Ela mora em Curitiba, onde trabalha numa creche, e veio a Londrina ontem cedo. Suleide afirmou que o filho está traumatizado, não tem dormido e que vai precisar de uma assistência psicológica.

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