Turismo deve estar focado na transformação
Com o receio do curitibano em descer a serra e enfrentar uma viagem de até 8 horas, o setor turístico de Morretes e Antonina tem sofrido perdas significativas. Desde o dia 11, quando ocorreu o desastre, vários restaurantes fecharam as portas e pousadas e hotéis registraram queda de até 100% na ocupação. O Restaurante Lubam, em Morretes, é um exemplo. A água invadiu o espaço e encheu um dos salões de lama. "Cerca de 250 pessoas cancelaram a vinda em um único dia", diz o gerente Fernando Cunha.
Num momento como este, em que o turista teme uma tragédia e prefere mudar de roteiro, a estratégia é, mais do que atraí-lo com a beleza ou o conforto do destino, mostrar o quanto sua visita impacta na região e na comunidade. "Nessa modalidade de turismo, chamado de comunitário, o turista é um agente social que transforma. É importante que ele veja o quanto ele pode ajudar essas pessoas a recuperar não só a sua renda, mas a sua autoestima", explica a diretora do curso de Turismo da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Raquel Panke Apolo.
A cooperação e o investimento em divulgação, segundo Raquel, são a chave para a recuperação. "Os empresários locais precisam se unir e criar iniciativas do tipo Passe três dias no hotel X e ganhe um almoço no restaurante Y. Essa união é importante", explica a especialista.
De acordo com a coordenadora de Planejamento Turístico da Secretaria de Estado do Turismo, Deisy Fernandes Bezerra, o estado já fez contatos com o Ministério do Turismo para buscar ajuda. A ideia é pedir a inclusão do litoral paranaense em programas que abram linhas de crédito para os comerciantes e intensificar a divulgação do destino no site do ministério, além de sua promoção em feiras pelo país. Na próxima semana, a secretaria deve receber as demandas dos comerciantes e marcar uma reunião com o ministério para discutir a ajuda.
Morretes - Na noite de quinta-feira, 10 de março, a dona de casa Irene Cardoso, moradora do bairro Bom Jardim, na área rural de Morretes, foi dormir ansiosa. Chovia forte, mas a preocupação era com o campeonato de truco que ela e o marido, o servente de pedreiro desempregado Antônio Carlos de Andrade, planejavam para o sábado no bar da família. O dinheiro do evento serviria para passar o mês, após a dispensa de Andrade de um canteiro de obras, que gerava uma renda de R$ 700 mensais.
Antes de receber os R$ 30 cobrados de cada dupla de jogadores, Irene comprou cinco caixas de cerveja e preparou comida. Ficou no prejuízo. Após algumas horas e 115 milímetros de chuva do total dos 268 previstos para o mês , a força da água derrubou a ponte ao lado da casa, que fazia a ligação da comunidade de 50 pessoas com a rodovia mais próxima, a PR-408. Desde então, nenhum cliente aparece e a família não sabe de onde tirar dinheiro. "Está deserto. Não sei nem o que vamos fazer, pois também não tem serviço. O jeito é se conformar e esperar ajuda", diz Andrade.
A ajuda esperada pelos 15 mil afetados em Morretes, e os cerca de 7 mil em Antonina, é essencial para a reconstrução das duas cidades, as mais atingidas, que decretaram estado de calamidade pública. Um cálculo preliminar feito pelas prefeituras estima em mais de R$ 71 milhões os prejuízos em Morretes e R$ 40 milhões em Antonina. Juntas, as cidades respondem por 75% do prejuízo de R$ 149 milhões, que também conta os estragos em Guaratuba e Paranaguá, que estão em situação de emergência.
Ajuda externa
A análise no orçamento das duas cidades deixa claro que a ajuda terá de vir de fora. No caso de Morretes, os prejuízos são 2,7 vezes maiores do que o orçamento para 2011, de R$ 26 milhões. Em Antonina, o prejuízo supera com folga o orçamento de R$ 23 milhões. A economia dos municípios, focada no setor primário e no turismo histórico e gastronômico, pobre em indústrias de grande porte, não tem condições de bancar a reconstrução, de acordo com especialistas.
"O desenvolvimento da região já está bem aquém da média estadual. Em situações normais, eles têm problema de receita, pois a arrecadação é bem menor do que os repasses feitos pelo estado e a União, e a indústria e a agricultura são pouco desenvolvidas. Com essa catástrofe, que dizimou atividades frágeis pela própria natureza, será impossível tocar a reconstrução sem ajuda externa", analisa o diretor-presidente do Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social (Ipardes), Gilmar Mendes Lourenço. Atualmente, Morretes responde por 0,05% do PIB do estado, e Antonina, por 0,1%, de acordo com dados do instituto.
O professor do Departamento de Economia da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Demian Castro lembra que a arrecadação municipal como um todo deve sofrer um baque após a tragédia. O setor de serviços, responsável pela arrecadação do Imposto Sobre Serviços (ISS), foi abalado com a interrupção no acesso ao litoral pela BR-277 e rodovias estaduais. De acordo com relatos de comerciantes, a taxa de ocupação em hotéis praticamente zerou, assim como a procura por restaurantes.
O Imposto Predial Territorial Urbano (IPTU) deve ter a mesma retração. A chuva destruiu milhares de casas e praticamente inviabilizou qualquer cálculo fiscal sobre a delimitação dos terrenos."Certamente, as principais arrecadações, como ISS e IPTU, que são ínfimas, irão diminuir. Por isso é urgente ir até Brasília e exigir o mesmo comprometimento que houve em relação ao Rio de Janeiro, por exemplo", diz.
Abastecimento
A ajuda deve vir o mais rápido possível, pois é imprescindível para restabelecer o acesso de produtores ao centro das cidades e também à capital, além de permitir a volta do turista que resiste em enfrentar a estrada, como lembra o professor da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) Carlos Magno Bittencourt. "As cidades têm a economia solidificada no setor primário, logo, os produtores não podem ficar isolados, até porque parte da produção abastece Curitiba", diz.
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