Comerciantes isolados no bairro Bom Jardim, área rural de Morretes: sem clientela e sem faturamento| Foto: Jonathan Campos/Gazeta do Povo

Turismo deve estar focado na transformação

Com o receio do curitibano em descer a serra e enfrentar uma viagem de até 8 horas, o setor turístico de Morretes e Antonina tem sofrido perdas significativas. Desde o dia 11, quando ocorreu o desastre, vários restaurantes fecharam as portas e pousadas e hotéis registraram queda de até 100% na ocupação. O Restaurante Lubam, em Mor­­­retes, é um exemplo. A água invadiu o espaço e encheu um dos salões de lama. "Cerca de 250 pessoas cancelaram a vinda em um único dia", diz o gerente Fernando Cunha.

Num momento como este, em que o turista teme uma tragédia e prefere mudar de roteiro, a estratégia é, mais do que atraí-lo com a beleza ou o conforto do destino, mostrar o quanto sua visita impacta na região e na comunidade. "Nessa modalidade de turismo, chamado de comunitário, o turista é um agente social que transforma. É importante que ele veja o quanto ele pode ajudar essas pessoas a recuperar não só a sua renda, mas a sua autoestima", explica a diretora do curso de Turismo da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Raquel Panke Apolo.

A cooperação e o investimento em divulgação, segundo Raquel, são a chave para a recuperação. "Os empresários locais precisam se unir e criar iniciativas do tipo ‘Passe três dias no hotel X e ganhe um almoço no restaurante Y. Essa união é importante", explica a especialista.

De acordo com a coordenadora de Planejamento Turístico da Secretaria de Estado do Turismo, Deisy Fernandes Bezerra, o estado já fez contatos com o Ministério do Turismo para buscar ajuda. A ideia é pedir a inclusão do litoral paranaense em programas que abram linhas de crédito para os comerciantes e intensificar a divulgação do destino no site do ministério, além de sua promoção em feiras pelo país. Na próxima semana, a secretaria deve receber as demandas dos comerciantes e marcar uma reunião com o ministério para discutir a ajuda.

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Estufa tomada pela lama -Uma semana após as chuvas, o produtor Anderson Busato ainda tenta recuperar mudas de plantas que foram soterradas pela lama resultante de três enchentes que invadiram a estufa ao longo da sexta-feira, dia 11, na comunidade Bom Jardim, em Morretes. Ao todo, mais de 12 mil mudas e 300 vasos foram perdidos. No dia seguinte, foi preciso cancelar cinco pedidos que seriam entregues em floriculturas de Curitiba e destinar os 200 vasos que se salvaram. O prejuízo ainda está sendo calculado, mas Busato estima que, ao final do mês, terá perdido dois terços do lucro líquido mensal. Dois dos três funcionários terão de ser dispensados para conter despesas.
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Morretes - Na noite de quinta-feira, 10 de março, a dona de casa Irene Car­­­doso, moradora do bairro Bom Jardim, na área rural de Morretes, foi dormir ansiosa. Chovia forte, mas a preocupação era com o campeonato de truco que ela e o marido, o servente de pedreiro desempregado Antônio Carlos de Andrade, planejavam para o sábado no bar da família. O dinheiro do evento serviria para passar o mês, após a dispensa de Andrade de um canteiro de obras, que gerava uma renda de R$ 700 mensais.

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Antes de receber os R$ 30 cobrados de cada dupla de jogadores, Irene comprou cinco caixas de cerveja e preparou comida. Ficou no prejuízo. Após algumas horas e 115 milímetros de chuva – do total dos 268 previstos para o mês –, a força da água derrubou a ponte ao lado da casa, que fazia a ligação da comunidade de 50 pessoas com a rodovia mais próxima, a PR-408. Desde então, nenhum cliente aparece e a família não sabe de onde tirar dinheiro. "Está deserto. Não sei nem o que vamos fazer, pois também não tem serviço. O jeito é se conformar e esperar ajuda", diz Andrade.

A ajuda esperada pelos 15 mil afetados em Morretes, e os cerca de 7 mil em Antonina, é essencial para a reconstrução das duas cidades, as mais atingidas, que decretaram estado de calamidade pública. Um cálculo preliminar feito pelas prefeituras estima em mais de R$ 71 milhões os prejuízos em Morretes e R$ 40 milhões em Antonina. Juntas, as cidades respondem por 75% do prejuízo de R$ 149 milhões, que também conta os estragos em Guaratuba e Paranaguá, que estão em situação de emergência.

Ajuda externa

A análise no orçamento das duas cidades deixa claro que a ajuda terá de vir de fora. No caso de Morretes, os prejuízos são 2,7 vezes maiores do que o orçamento para 2011, de R$ 26 milhões. Em Antonina, o prejuízo supera com folga o orçamento de R$ 23 milhões. A economia dos municípios, focada no setor primário e no turismo histórico e gastronômico, pobre em indústrias de grande porte, não tem condições de bancar a reconstrução, de acordo com especialistas.

"O desenvolvimento da região já está bem aquém da média estadual. Em situações normais, eles têm problema de receita, pois a arrecadação é bem menor do que os repasses feitos pelo estado e a União, e a indústria e a agricultura são pouco desenvolvidas. Com essa catástrofe, que dizimou atividades frágeis pela própria natureza, será impossível tocar a reconstrução sem ajuda externa", analisa o diretor-presidente do Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social (Ipardes), Gilmar Mendes Lourenço. Atualmente, Morretes responde por 0,05% do PIB do estado, e Antonina, por 0,1%, de acordo com dados do instituto.

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O professor do Departamento de Economia da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Demian Castro lembra que a arrecadação municipal como um todo deve sofrer um baque após a tragédia. O setor de serviços, responsável pela arrecadação do Imposto Sobre Serviços (ISS), foi abalado com a interrupção no acesso ao litoral pela BR-277 e rodovias estaduais. De acordo com relatos de comerciantes, a taxa de ocupação em hotéis praticamente zerou, assim como a procura por restaurantes.

O Imposto Predial Territorial Urbano (IPTU) deve ter a mesma retração. A chuva destruiu milhares de casas e praticamente inviabilizou qualquer cálculo fiscal sobre a delimitação dos terrenos."Certamente, as principais arrecadações, como ISS e IPTU, que são ínfimas, irão diminuir. Por isso é urgente ir até Brasília e exigir o mesmo comprometimento que houve em relação ao Rio de Janeiro, por exemplo", diz.

Abastecimento

A ajuda deve vir o mais rápido possível, pois é imprescindível para restabelecer o acesso de produtores ao centro das cidades e também à capital, além de permitir a volta do turista que resiste em enfrentar a estrada, como lembra o professor da Pontifícia Uni­­­versidade Católica do Paraná (PUCPR) Carlos Magno Bitten­­court. "As cidades têm a economia solidificada no setor primário, logo, os produtores não podem ficar isolados, até porque parte da produção abastece Curitiba", diz.

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