Uma equipe técnica contratada pelo Instituto estadual do Ambiente (Inea) em Angra dos Reis iniciará, na próxima semana, um levantamento da ocupação do solo na Zona de Conservação de Vida Silvestre (ZCVS), com o objetivo de atualizar a Área de Proteção Ambiental (APA) de Tamoios, que delimita as construções nas ilhas da baía da Ilha Grande e também no continente, nas faixas marinhas de Angra.
A informação é da chefe da APA, Mônica Nemer. O estudo, que revisa o plano diretor da cidade, já estava previsto antes dos deslizamentos em Ilha Grande e no Morro da Carioca, onde pelo menos 50 pessoas morreram na madrugada da noite do réveillon.
Em junho de 2009, o governador Sérgio Cabral assinou o decreto nº 41.921, que flexibiliza as regras de construção na APA. Diversas entidades públicas e ambientalistas se pronunciaram contra o decreto. Para o presidente do Comitê de Defesa da Ilha Grande (Codig), Alexandre de Oliveira Silva, Cabral "está armando uma bomba para explodir daqui a pouco".
Ele contou que, depois dessa tragédia, as pessoas estão com medo que a próxima chuva acarrete os mesmos estragos da praia de Bananal. "O que o governador poderia fazer por essas vítimas é revogar esse decreto", disse o presidente da Codig, que é morador de Ilha Grande.
A polêmica acabou por permitir maior liberação de recursos para a realização do mapeamento, por parte da Secretaria estadual do Ambiente.
De acordo com Alexandre, uma representação contra o decreto foi acolhida pelo Ministério Público Federal, que estuda a inconstitucionalidade da lei.
Decreto pode ser revisado
A secretária de estado do Ambiente, Marilene Ramos, afirmou que é oportunismo trazer a questão do decreto à tona: "A APA tem as áreas de ZPVS (Zona de Preservação da Vida Silvestre) e ZCVS (Zona de Conservação da Vida Silvestre). Na zona de preservação não se pode fazer absolutamente nada. Isso está totalmente intocado", afirmou, acrescentando: "O que fizemos, então, foi dizer que seria aceitável a ocupação de até 10% da zona de conservação em área já autorizada (alterada pela ação humana)".
Ela afirmou que fez um acordo com as entidades contrárias ao decreto e que ele pode ser revisado: "Já me reuni com o conselho da APA de Tamoios, já nos propusemos a fazer modificações neste decreto, colocamos técnicos à disposição, levantamos dados e estamos aguardando que o conselho nos apresente uma alternativa".
O presidente do Inea, Luiz Firmino, também defendeu a assinatura de Cabral em junho de 2009: "Esse decreto não permite nenhuma construção em encosta. A única coisa que ele muda é, no caso das zonas de conservação da vida silvestre, não havendo mais a vegetação original, você pode fazer a ocupação de no máximo 10% com a obrigação de recompor os outros 90% da área".
Conselho não foi ouvido
A principal reivindicação das entidades contrárias ao decreto, de acordo com o presidente da Comissão de Meio Ambiente da Alerj, deputado André Lazaroni, é que em momento algum o conselho foi ouvido e a definição desses 10% não foi explicada:
"A gente até entende que o decreto não é de todo ruim, não prejudicou nada até o momento, mas a gente não ficou satisfeito com o fato de o conselho não ter sido ouvido. Até agora a gente não conseguiu entender o que significam esses 10%, isso significa que novas construções virão", afirmou.
O chefe do Inea em Angra, Júlio Avelar, explicou que o problema é que o texto do decreto dá margem a interpretações dúbias. Segundo ele, a nova lei permite que se construa em até 10% dos terrenos degradados em áreas de ZCVS. "Uma área degradada pode ser uma coisa no meu ponto de vista, mas outra coisa para você. Mas a intenção do decreto em si não foi das piores", disse.
Uma das principais preocupações de Angra, segundo ele, são as contruções irregulares. Os representantes das entidades citadas são unânimes em dizer que o número é muito alto devido à ocupação desordenada. Mas a questão não é simples de se resolver. A APA foi criada em 1994 e as construções erguidas antes disso não podem ser alteradas.
Tragédia pode aumentar exigências para novas construções
Avelar afirmou que o grande objetivo dessa revisão da APA, que tem previsão de ser finalizada em cerca de quatro meses, é saber quantas construções irregulares existem hoje na região e também quais são as situações de conflito. Ele acredita que, depois do episódio de desabamento na Ilha Grande, um laudo geotécnico poderá ser uma nova exigência para a permissão de novas construções. Isso permitiria prever os aspectos naturais que podem trazer riscos futuros na região.
"Esse episódio abre mais um fator de análise além dos fatos legais que já trabalhamos", disse ele.
Avelar afirmou que, desde a assinatura do decreto, nenhuma licitação foi permitida nas áreas proibidas pela APA , já que a secretária de estado do Ambiente fez um acordo informal com as entidades de que não autorizaria novas ocupações até receber o novo levantamento do plano diretor. Ainda segundo Avelar, este plano de manejo pode fazer com que o decreto perca a função, a partir das novas regras que serão estabelecidas com o estudo.