As irmãs Maiara e Jéssica Garrido – com os filhos: maternidades seguidas desde a adolescência. (Foto: Henry Milleo / Gazeta do Povo)
No bairro do Atuba – aquele onde Curitiba teria começado – existe uma vila chamada Esperança. Na vila passa uma rua chamada “Alegria”. E na Rua da Alegria vivem 15 mulheres que deram à luz no momento de suas vidas em que ainda jogavam amarelinha. Uma delas teve filho aos 12 anos. Outras, aos 14, dando continuidade a uma tradição que desafia a saúde pública: a das mães menininhas da Vila Esperança.
Em 2005, os índices apontavam que a “Esperança” tinha a mais alta taxa de natalidade adolescente da capital. De cada 100 nascimentos, 39 eram filhos de mães entre 10 e 18 anos. O número fez soar o alerta, levando a prefeitura a iniciar um programa de emergência. O projeto era simples : conversa, oficinas de artesanato e dicas certeiras, ainda que de leve, para não assustar gurias que tinham conhecido o sexo antes de saber como funcionava o próprio corpo. Deu certo.
Uma década depois da “epidemia de meninas grávidas”, como o pessoal do local se refere ao fenômeno, a Vila Esperança ostenta índices de 13 mães adolescentes em cada 100 partos. São maiores do que a média de Curitiba (de 11,8 para cada 100 gestantes), mas muito menores do que os do baby boom do passado. O projeto continua: atende 17 adolescentes e é mantido de forma heroica por sua pioneira, a técnica de saúde Eusa Montalvão Costa, em parceria com a colega Floripe Nunes e a dentista Katia Bosso, coordenadora da unidade. Segredo? “Eu me coloco no lugar delas”, diz Eusa.
Às quartas e quintas, as agentes formam um círculo, iniciam as atividades e depois servem um lanche. Em março de 2008, quando a Gazeta do Povo esteve no grupo, entrevistou cinco grávidas entre 12 e 17 anos. Em maio de 2015, havia apenas uma, Géssica Rosa, de 15. Uma vitória – não fosse a Rua da Alegria, trecho da vila em que a maternidade precoce permanece regra.
Baixios
Zonas muito pobres não são pródigas apenas em habitações insalubres. Ali se perpetua a baixa escolaridade e, com ela, uma reduzida expectativa profissional. Na maioria dessas áreas – mais de 250 em Curitiba – a gestação adolescente beira o comum. A questão é que na Vila Esperança de anos atrás e precisamente na Rua da Alegria de agora esse cenário se elevou ao cubo, por motivos que resistem a análises precisas.
“O pessoal aqui é muito individualista”, arrisca a agente de saúde Maria Jasonara Lucena, a Nara, que circula todos os dias pelos becos da Rua da Alegria. Para ela, a ocupação surgida há 20 anos nasceu à margem dos movimentos populares, e essa é a questão. Informal no último grau, a gente dali resiste à vida comunitária e é pouco dada a partilhar informações. Nessa terra de ninguém, a maternidade adolescente é apenas um dos problemas.
A “Vila Esperança” fica ao pé de um conjunto habitacional de nome parecido, o “Nova Esperança”. Juntas, as duas comunidades somam 6,7 mil pessoas. Dali, a vista para a Serra do Mar é privilegiada. Seria uma periferia simpática, não fosse a geografia de fundo de vale que favoreceu a instalação do tráfico naqueles baixios. E duas ocupações irregulares próximas, à espera dos préstimos da Cohab.
Uma das ocupações ganhou o apelido de “Divino”. Outra, a inspirada alcunha de “Rua da Alegria”. Serve de abrigo para 80 famílias e para um sem número de crianças: elas não param de nascer. Nara trabalha pesado para conter a explosão demográfica. Uma vez por mês bate na porta para lembrar as gurias de que é hora de aplicar o anticoncepcional. Não fosse a tabelinha ambulante, os índices seriam piores.
“A gravidez adolescente é mais perversa entre os pobres”, alerta a enfermeira Márcia Huçulak, superintendente de Atenção à Saúde do governo do estado e autoridade no assunto. Mães menininhas, reforça, são um problema de saúde pública, mas sobretudo um drama social.
Elas
A reportagem conversou com quatro das 15 mães adolescentes da “Alegria” – Edilaine, 17, dois filhos, mãe do primeiro aos 12 (“engravidei depois da primeira menstruação”); Karina, 17, mãe aos 13 (“eu não sabia que da primeira vez engravidava”); Dienifer, 18, mãe aos 16 (“tentaram me explicar, mas eu sentia vergonha”); e Ivani Blaine, 20, mãe aos 17 (“minha vida teria sido diferente se...”).
Duas delas se deixaram fotografar, Edilaine e Ivani. Em comum, não têm arrependimentos. Mas se angustiam com a pobreza. Ambas repetiram o destino das adolescentes grávidas – o abandono escolar, a dificuldade em conciliar as obrigações com um projeto pessoal. Uma faz planos de estudar. A outra precisa de um emprego com urgência – acaba de se separar.
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Ivani Aparecida Blaine vive no momento o maior impasse de sua trajetória de mãe menininha. Engravidou aos 17, a pequena Alana Eduarda logo fará 3 anos, mas o casamento acabou. O apoio vem da mãe e das irmãs - todas moradoras da Rua da Alegria, ocupação onde vivem 80 famílias numa das baixadas da Vila Esperança. O local é insalubre e fica às margens do Rio Atuba. “Minha vida seria diferente se eu tivesse ouvido o que me diziam”, admite, embora não fale em arrependimento. A filha compensa todas as dificuldades. O que mais precisa? Um emprego e um apoio para recomeçar.
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Géssica Rosa, 15 anos, moradora da Vila Esperança, soma cinco meses de gravidez. Como vive com seu companheiro desde os 12 anos, a gestação “até que demorou”, como diz. As orientações recebidas na Unidade de Saúde da Vila Esperança ajudaram. E continuam - é ali que ela recebe dicas sobre como cuidar do bebê e recebe apoio para não abandonar os estudos. As colegas da mesma idade não param de lhe fazer perguntas, sobre a vida de casada, tão precoce. Géssica responde com tranquilidade - não acha que “perdeu a vida” e nem se sente uma adolescente, embora tenha 15 anos.
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A precocidade de Edilaine Aparecida Lins, 17 anos, faz com que quem a ouve se certifique se escutou direito. Aos 11 anos ela se uniu a Kleber, pouco mais velho que ela. De 12 para 13 anos teve o primeiro filho. Diferente de muitas mães menininhas, pouco dadas a romantismo, conta que ela e o companheiro se apaixonaram, e que assim permanecem. Nenhum conselho adiantou. “A mulher do posto de saúde vivia dizendo para eu me cuidar. Mas não entendia direito”. Segundo Edilaine, a juventude excessiva atrapalhou. Nos primeiros anos, o casal viveu com parentes e há pouco alugam uma casa na Rua da Alegria, na Vila Esperança, por R$ 150. A família cresceu - são dois meninos: Rayan e Willyan. E Edilaine - que já trabalhou como balconista no Terminal do Cabral - pensa em voltar aos estudos. Parou no sexto ano.
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Maiara Garrido (à esquerda) e Jessica Garrido (à direita) foram mães adolescentes. Hoje, com 23 e 25 anos respectivamente, somam três filhos cada. Elas dividem uma pequena casa na Vila Esperança. Somando toda a família, são 12 pessoas vivendo juntas. A avó, Rose Garrido, de 45 anos, deixou de trabalhar para ajudar a cuidar dos netos. “A gente se vira”, diz Maiara. Nunca falta um vizinho ou uma patroa, dividindo roupas com a grande prole das duas manas. O clima ali é de alegria, apesar das dificuldades. Rose, conta que foi difícil, mas que achou melhor aceitar e assumir. As filhas seguem procurando seu caminho.Jessica trabalha com demonstração de produtos num supermercado. Maiara se emprega às vezes como diarista, mas está sem atividade no momento. Tem gosto em estar com as seis crianças - os seus e os sobrinhos -, o que a credencia para ser cuidadora. Pensa no assunto.
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Débora dos Santos Gonçalves, 25 anos, foi mãe menininha, mas , como diz, deu a sorte grande. A família se opunha ao namoro precoce. Como nos filmes românticos, fugiu de casa para ficar com o namorado. Tinha 16 anos e logo foi mãe. Estão juntos até hoje e vivem o que ela chama de um casamento feliz. À noite, Débora integra o Projovem - programa do governo federal - e leva as filhas Maria Eugênia e Maria Eduarda para a Escola Municipal Enéas Faria, na Vila Autódromo, Cajuru. O marido vai junto e acompanha as aulas. “Um dia, sonhei ser enfermeira”, conta. Ao se matricular na Educação de Jovens e Adultos, o desejo do passado volta à tona.
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Fernanda Danielle Dias tem 21 anos. A primeira gravidez, não completada, foi aos 15 anos. A segunda, aos 16; a terceira, aos 17 anos. Passou o diabo, como gosta de dizer. Conheceu o pai de suas filhas numa esquina da vila onde mora, “com uma boneca na mão”. Não faz o tipo mãe heroína. Fala da “barra” que foi a maternidade precoce, a falta de dinheiro, as agruras de quem nasceu e cresceu num ambiente muito pobre. “Uma menina da periferia fica na encruzilhada quando é assediada. Os caras nos difamam”, con ta a jovem bem articulada. Ao se matricular na Educação de Jovens e Adultos da Escola Municipal Enéas Faria, Fernanda retoma um desejo de menina. “Quero ser delegada. Não quero mais ser humilhada por ninguém.”
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Camila Ramos tem 19 anos e foi mãe pela primeira vez aos 14 anos. Sua narrativa é clássica entre as mães menininhas. Cansada da pressão familiar, foi viver com o namorado. O que não conseguia perceber era que ia se tornar mais presa ainda. “Eu era revoltada, achava que não tinha liberdade. Agora é pior”, diz, com jeito despachado. “Tive de crescer na marra”, emenda. Voltou a estudar porque não quer passar a vida atrás de um balcão, como costuma dizer. Gosta de dançar e acredita que possa ganhar a vida como bailarina. “Quero recuperar o que perdi. Fui loucona, não pensei, mas voou correr atrás do que eu quero para mim.” É mãe de Stephanie e Gilbert. É uma das 42 matriculadas do EJA da Ecola Municipal Enéas Faria que leva os filhos para a escola.
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