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Assista à reportagem em vídeo| Foto: TV Globo

As razões

O que o Ippuc diz sobre os binários:

1 - Há 40 anos, Curitiba tinha 400 mil habitantes. Hoje, são 1,7 milhão, mais 1,3 milhão na região metropolitana. A mobilidade dentro e fora do município mudou.

2 - Os binários são a melhor saída para não fazer grandes intervenções urbanas, como largas avenidas, e garantem mais fluidez para o transporte coletivo, ainda que prejudiquem a convivência da rua.

3 - Avenida Nossa Senhora da Luz e Presidente Kennedy jamais serão binárias, por sua própria natureza. Outras, como a Erasto Gaertner – Nicarágua, saíram do papel mesmo sob protestos. Hoje, comerciantes da Erasto não têm mais medo da mão-única.

4 - Estão na prancheta do Ippuc estudos sobre um anel viário entre as Ruas Camões e Germano Meyer, atingindo a Rua dos Funcionários e Avenida Anita Garibaldi. Obras de revitalização na Avenida Salgado Filho, no Uberaba, dependem de negociações com áreas de ligação, como uma chácara. Binário da Anne Frank, no Terminal do Boqueirão, depende de uma área do Exército, que precisa ser cortada. Binários surgem à medida que ligações entre ruas são possíveis.

5 - Em cumprimento ao Estatuto das Cidades, a prefeitura de Curitiba vai concluir, até agosto, um Plano de Mobilidade para a capital. A situação de pedrestres, ciclistas e a invasão de automóveis serão contempladas. De acordo com o Ippuc, o plano será discutido com a comunidade. A opinião dos curitibanos sobre a "era dos binários" deve ganhar corpo.

Os binários

Mário Tourinho

Extensão: 3,4 quilômetros.Percurso: formado pelas ruas General Mário Tourinho – sentido Centro–bairro (saída da cidade pela BR 277 em direção a Ponta Grossa); e Major Heitor Guimarães – sentido bairro–Centro (entrada principal da cidade para quem chega pela BR 277). Trechos revitalizados: Mário Tourinho, Heitor Guimarães e trechos das ruas Engenheiro Serafim Voloschen, Padre Agostinho, Otelo Queirolo e Jerônimo Durski.Investimento: R$ 5,8 milhões.

Avenida Brasília

Extensão: 4,5 quilômetros.Percurso: Avenida Brasília e as ruas José Gomes de Abreu, Infante Dom Henrique, das Andorinhas e Maria Trevisan Tortato.Investimento: R$ 5,1 milhões.

Avenida Santa Bernadethe

Extensão: 2 quilômetros.Percurso: Avenida Santa Bernadethe e ruas Leonel França e Oscar Wilde.Investimento: R$ 10 milhões.

Capão da Imbuia – Hauer

Extensão: 8,6 quilômetros.Percurso: Ruas Júlio César Ribeiro de Souza, José Rietmeyer, Cel. Francisco H. dos Santos, Frei Rogério, Reinaldo Issberner, Miguel Calluf, Professor Nivaldo Braga, Sesinando Chaves, São Vicente Palotti e Marcos Smanhoto.Investimento: R$ 9,7 milhões.

Fonte: Prefeitura Municipal de Curitiba.

Na hora do almoço, as costureiras Cleide Ribeiro Freire, 53 anos; Maria Angélica Ferracioli, 37 anos, e Sônia Caetano, 51, têm encontro marcado na Praça Miguel Couto, a Pracinha do Batel, como ficou conhecida. Elas trabalham próximo e aproveitam a folga no meio do dia para relaxar no local que se tornou o campo minado de Curitiba. "Numa praça não se mexe", decreta Sônia, para encurtar a conversa.

Mesmo sem serem moradoras do bairro, membros de alguma associação de condôminos ou descendentes de famílias antigas na região, elas se posicionam pela integridade do logradouro. De quebra, não assinariam embaixo de um documento que transformasse a Batel em mão-única. É quando a conversa esquenta. Em Curitiba, trânsito e urbanismo em geral viraram assunto tão corriqueiro quanto futebol. Difícil quem não tenha palpite.

Para Cleide, o binário da Batel tinha de ser a Vicente Machado, embora o ideal seria manter uma rua tão antiga assim como sempre foi. "Poxa, nosso lugar de recreação é aqui", diverte-se. No que é apoiada. A poucos metros das três sócias informais da pracinha, a conversa não ganha fôlego. A comerciante Lilan Frote, 28, dona da floricultura que há 35 anos é a mais freqüentada da região – com cerca de 70 clientes dia – acha essa conversa muito tradicionalista. "Não existe mais tanta gente que anda a pé."

Na frente da floricultura, Luiz Fernando Garcia, 32 anos, gerente de posto de gasolina abriria a praça e manteria a rua como está. "Sou de São Paulo. Acho o trânsito da cidade uma maravilha", diverte-se, diante das obsessões curitibanas.

A Avenida do Batel tem menos de seis acidentes de carro por mês, o que a coloca a anos-luz da Marechal Floriano Peixoto, por exemplo, com 44 ocorrências apenas em abril. Mesmo assim, está longe de ser considerada um tapete voador. Taxistas com posto na pracinha atestam. Há poucos meses, quando a via ficou mão-única por causa de uma reforma, só recebeu elogios. "Dia mais, dia menos, vai acontecer. Vai ser difícil manter intacta a rua do coração dos curitibanos", diz Márcio Biginelli, 39 anos, 20 de ponto. "Mas vai perder a graça, diz o colega de trabalho Rogério Tadeu da Silva, 35. "Como é que as pessoas desmancham o que levou anos para ser feito?", pergunta.

Há quem jure que o vento já levou a Batel, e não é de hoje. Trata-se de uma rua comercial, com cinco casas, sete condomínios de apartamentos, nove lojas, oito espaços gastronômicos, três bancos, sem falar no equipamento de saúde: quatro farmácias, um hospital e sete clínicas.

Estrada velha

Na Avenida Mateus Leme os ventos saudosistas não batem tão forte quanto na Batel. Pudera – com tanta freada. De acordo com o BPTran, em março e abril deste ano a velha via do Açungui é a segunda colocada em ocorrências, perdendo apenas para a Marechal Floriano. A Anita Garibaldi está na nona posição. Por essas e outras, há quem diga que aplaudiria por dez minutos, em pé, a instalação de um binário.

O comerciante Jorge Ribeiro, 20 anos, critica o barulho, o excesso de carros e, particularmente, a quantidade de linhas de ônibus que têm na Mateus o seu caminho da roça. De acordo com o site da Urbs, são 18 linhas. "Eu concordo que a rua perderia o charme. Mas agora pouco teve um acidente aqui", explica.

Jorge é apoiado pelo sapateiro Ademir da Costa, 29 anos, que também trabalha na via. "Seria uma garantia para o pedestre. Andar aqui não é fácil." Sandra Munhoz, 43, gerente de um restaurante, se alista entre os que preferem não mexer com o patrimônio. Sua sugestão para os órgãos públicos é melhorar a sinalização e entender que a Mateus Leme sempre vai ser a Mateus Leme. Em miúdos – tem limite.

Briga grande

O arquiteto Fábio Duarte – professor de Gestão Urbana na PUCPR – bem concorda que a guerra em que se transformou o trânsito não pode ser empurrada para o vizinho. Mas entende que o quebra-quebra de ruas e a adoção das mãos-únicas vão levar Curitiba a perder o posto de cidade inovadora e criativa. Sua tese é de que as atuais reformas que assaltaram a capital não trazem de carona modelos que favoreçam o pedestre e o ciclista. Ao lado do cidadão que pega ônibus, formam o trio capaz de reverter essa história. Mas quem abre a janela de casa vê é carros e mais carros. Duarte usa como exemplo a Visconde de Guarapuava: ficou livre de estacionamento, ganhou fluidez, mas teria espaço para comportar uma ciclovia, dando visibilidade a quem sai de casa de magrela. Já chamaram isso de bom exemplo.

Quanto aos pedestres – a categoria tem uma nada mole vida na capital paranaense. A Avenida do Batel que o diga: circular por ali é uma prova de fogo e nada mais convida a um passeio para contemplar o casarão dos tempos áureos da erva-mate. Já na Mateus Leme – uma daquelas ruas em que Curitiba ainda se parece com ela mesma – ser pedestre é uma operação de risco, e não propriamente por causa da calçada, mas a rua de duas mãos. Atravessar é impossível. Para melhorar a trafegabilidade, segundo a Urbs, só se tirar estacionamento, medida que leva comerciante a ameaçar greve de fome. Uma sinuca.

Para o Ippuc, só tem uma maneira de desenrolar esse novelo: assumir que a cidade não tem mais 400 mil habitantes, que não vai dar para estacionar na frente do bar preferido e que até as vias mais tradicionais da cidade, na hora oportuna, vão se tornar uma igual. "O cidadão tem direito a chegar com rapidez aos lugares que precisa. Não dá para passar duas horas num engarrafamento", resume o diretor de Planejamento do Ippuc, Ricardo Antônio Bindo, diante de um calhamaço de projetos de binários. Quantos? Impossível contar, responde ele. Aos binários Mário Tourinho, Avenida Brasília, Avenida Santa Bernadethe, Capão da Imbuia – Hauer, todos da hora, podem surgir outros, de resolução rápida, a depender das necessidades. Exemplos não faltam: a Avenida Getúlio Vargas e a Iguaçu viraram binários sem que um foguete fosse solto.

Outros tempos. Pelo que tudo indica, a população de Curitiba pode até não fazer passeata para protestar contra a violência, mas quer participar da reforma da casa. No cumprimento do Estatuto da Cidade, a prefeitura tem promovido o debate: foram 30 audiências pelo menos desde o início do ano. No varejo, não falta boca no trombone. Haja vista a polêmica em torno da Pracinha do Batel. Resta saber que lado há de vencer. Exemplos não faltam. Tempos atrás, não saiu do papel o binário Augusto Stresser – Dr. Gulin. A vizinhança rejeitou a proposta. A novidade – isso é incrível – é que ainda havia vizinhança por lá.

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