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Por muitos anos vi Belmiro Valverde Jobim Castor, sua inseparável Elizabeth e as duas filhas do casal, Carolina e Adriana, partindo em expedições familiares anuais a São Leopoldo, Rio Grande do Sul. A peregrinação ao túmulo do padre Réus, devoção de multidões, era obrigatória. Ele só a pretendia encerrar quando esse Servo de Deus ganhasse as honras dos altares católicos. O que vinha demorando, e causava não pouca 'ira santa' neste que foi um dos homens que mais influenciaram a vida cultural e administração pública do Paraná nos últimos 40 anos.

Quando fundamos o Instituto Ciência e Fé de Curitiba ('Fidelis et Constans') – com Euclides Scalco, Ubaldo Puppi, Luiz Carlos Martins e Maria, Hélio Puglielli, Celso Ferreira do Nascimento, Alzeli Basseti, Newton Freire-Maia e Eleidi Freire-Maia, dentre outros -, ele fez uma doação em dinheiro substantiva para a nossa casa de retiros, com um pedido: que recebesse o nome do Padre Réus, o que aconteceu.

Nos últimos anos, o norte devocional de Belmiro sofrera alteração, discretamente, sem, no entanto, deixar o antigo: passara a cultivar também especial devoção ao papa João Paulo 2.º.

Ele e Elizabeth estavam mesmo se aprontando para ir à canonização do papa que ajudou a mudar o mapa mundi de forma inimaginável ao lado de Gorbachov.

Dia 26 de abril estariam em Roma, celebrando o aniversário de Belmiro, com a filha Carol, que mora na Alemanha; dia 27 viveriam os atos da canonização de João Paulo e depois iriam à Alemanha juntar-se ao genro Martin e à neta Clara.

A mim, antropólogo "amador"(?), estudioso do fenômeno religioso, sempre me intrigou examinar quanto a fé cristã marcara a vida de Belmiro. Ela foi uma prova clara de que o sólido conhecimento científico – tal como ocorreu com o coordenador do Projeto do Genoma Humano, Francis Collins, ou com o geneticista Newton Freire-Maia – não era obstáculo para o homem flexionar-se ao Sagrado.

Belmiro fazia sapiente síntese dos dois mundos: era o erudito dono de largo raciocínio, em diversas latitudes, e o católico com seu catolicismo, por vezes, "muito simples", com marcas típicas da religiosidade ibérica: uma crença sem maiores delongas. "É porque é. E pronto." E assim encerrava o assunto.

Não fazia elucubrações teológicas. Parece-me que ficava com a advertência de Santo Agostinho: na dúvida, a liberdade; no necessário, a unidade; em tudo, a caridade.

O ângulo da fé e da ciência, e sua compatibilidade, é apenas um dos muitos deste amigo que o Anjo da Morte levou.

Eu o acompanhei desde os primeiros dias de uma vida pública sem paralelo entre nós, início dos 1960. Passou pela escola de profundidade única, a do estrategista coronel Alípio Ayres de Carvalho, aquele que conhecia as dobras de cada esquina do Paraná, o mais sólido e consistente especialista neste estado. Ele, Alípio, que, curiosamente, era maranhense.

Foi assistente e especial discípulo de Alípio, a quem todos – em tom afetuoso e, ao mesmo tempo reverencial – chamavam de "professor de Deus". Também fazia reverências ao general Ítalo Conti, de quem fora assistente na Secretaria do Trabalho, tendo sido esse militar um dos pilares da primeira administração Ney Braga.

Tanto quanto Alípio, o professor Pedro Viriato Parigot de Souza foi outro norte na vida de Belmiro, sem esquecer o avô, o histórico médico Belmiro Valverde, em cuja casa, no Rio, Belmiro fez-se moço e defensor de valores de sempre. Sim, valores da civilização Ocidental e Cristã. E por quê não?

Nas longas e profundas imersões de Belmiro nas raízes da história socioeconômica do Paraná, havia um panteão de admirações que ele deixava claro.

Nele, Ney Braga era o 'modernizador do Paraná', acolitado – ressaltava - por uma multidão de jovens, alguns dos melhores alunos da Universidade do Paraná que iriam dar configuração e unidade ao Estado. Não se cansava de enumerar o grupo, composto por gente como Maurício Schulman, Saul Raiz, Karlos Rischbieter, Afonso Camargo e Dario Lopes dos Santos.

Nesse mesmo panteão, Belmiro jamais esqueceria aquele a cujo lado ele realmente pôde expressar o enorme administrador público que ele tinha represado: Jayme Canet Junior.

Com o governador Canet, ele não se tornou o "vice-rei" do Palácio Iguaçu, como diziam alguns querendo acentuar a forte influência de Castor. Mas que se fez 'olhos e ouvidos' de Canet, sou testemunha, pois fui, além de amigo, seu assessor.

Belmiro foi o mais amplo delegado de Canet.Marcas de Belmiro ficaram no exemplar Governo Canet, com a consolidação do Sistema Estadual de Planejamento – iniciado por outra admiração de Belmiro, Ivo Simas Moreira; a montagem de uma notável rede de rodovias a que a oposição a Canet chamaria de "Casca de Ovo", cobrindo o Paraná, vital para o escoamento de nossas riquezas; a formação de quadros para o planejamento da administração pública foi mais do que preocupação: levou-o a amplas consequências, como o estabelecimento de um curso de extensão universitária da área promovido aqui pela USC. Foi uma iniciativa inédita entre nós, os americanos trazendo seu "know how" acadêmico.

O mergulho na vida e obra de Belmiro passa pela Universidade Federal, pelo doutorado de Administração da PUCPR, pela FAE, pela Estação Business School; e indicará a dimensão de uma alma generosa, a dohomem que, ao lado de sua Elizabeth, quis que crianças pobres de Laranjeiras e Piraquara, de modo geral, tivessem o mesmo ensino de qualidade – pré escola, fundamental e contraturno - "como aquele que têm nossos filhos e netos", dizia.

Foi com esse mote que nasceu, pela concepção do ex-secretário Estadual de Educação, o Centro de Educação João Paulo II, uma escola de primeiro mundo, arquitetura de Manoel Coelho (generosa doação), mantida pela comunidade empresarial e amigos. Mas que só atingiu as dimensões a que chegou pela persistente ação desse "louco de meta certa" e o apoio de Elizabeth.

Nos últimos meses ele comemorava o grande engajamento no projeto do João Paulo II do ex-governador João Elísio Ferraz de Campos, um empresário muito bem-sucedido e que foi administrador público de perfil ético irrepreensível.

Eu me sinto tentado a me alongar no perfil de Belmiro, a quem, sem medo de errar, classifiquei sempre como o 'homem de devoções bem definidas".

A maior delas, a família, com especial atenção ao neto Leonardo, de cuja educação cuidava pessoalmente, como que replicando o que seu avô fizera por ele; ainda da família, a paixão pelos irmãos – Zezé, Maria Tereza e Cristina; a Universidade, sendo seu modelo a USC, da Califórnia, onde conquistou doutorado e pós-doutorado (ganhou prêmio maior, pela primeira vez dado a um estrangeiro no Doutorado); a fé Cristã no catolicismo; o Paraná com seu enorme potencial físico e humano, com reservas excepcionais de massa crítica, como Jaime Lerner, de quem até nem era muito próximo.

O Belmiro que resta nesta visão retro-cognitiva é também a o comunicador e formador de opinião, áreas em que se expressava semanalmente na Gazeta do Povo. O mesmo Belmiro que era capaz de reunir em torno de si uma fauna de acadêmicos, como Ricardo Pasquine e o cirurgião Julio Coelho; escritores, jornalistas e pensadores que admirava – como René Dotti, Eduardo Virmond, Celso Ferreira do Nascimento, Hélio Puglielli, Michele Thomé, Hugo Mengarelli, Judas Tadeu Grassi Mendes, Fabio Campana, professor Age, Geraldo Bolda, Dante Mendonça e Maí, o reitor da PUCPR, professor Waldemiro Gremski, Carlos Alberto Pessoa, AirtonCordeiro, o ex-reitor Clemente Juliatto, Romeu Telma, José Wille... gente que, como outros da multidão de seus amigos, sentirá falta dele.

Sentirá falta sobretudo de suas "boutades" certeiras, aquelas críticas que castigavam os costumes e as mazelas de nosso entorno, numa mixagem de humor carioca com pitadas críticas mineiras e gaúchas (a origem remota dos Jobim é o RS).

Por último, uma sacada bem do estilo Belmiro: "Estão à procura de um milagre de João Paulo 2.º? Pois não é que ele já fez..." E apontou-me, com gesto largo, a sede do seu Centro de Educação João Paulo II, a prova de quanto a fé desse acadêmico removia montanhas.

Aroldo Murá G. Haygert é jornalista, presidente do Instituto Ciência e Fé de Curitiba e autor da coleção Vozes do Paraná.

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