As elefantas Maia, 44 anos, e Guida, 42 anos, estão mais calmas nas últimas semanas. Após passarem a vida acorrentadas, agora caminham livremente e já não chacoalham mais tanto o corpo para os lados, inquietação típica de elefantes criados em cativeiro.
“Esse comportamento não existe na natureza. É uma espécie de TOC que os elefantes criam no confinamento”, explica a publicitária paulista Junia Machado, presidente do Santuário de Elefantes Brasil (SEB), o primeiro da América Latina e sexto do mundo dedicado a cuidar de elefantes vítimas de maus-tratos. No Brasil, o SEB estima que 30 elefantes vivam em cativeiros inapropriados.
Maia e Guida são as primeiras habitantes do santuário, inaugurado no último dia 12, com licença ambiental para receber 25 animais e capacidade para 50 em uma antiga fazenda de 1.140 hectares na cidade de Chapada dos Guimarães, a 65 km de Cuiabá, no Mato Grosso. Retiradas da selva na Tailândia ainda filhotes, as duas foram apreendidas na Bahia em 2010 por decisão da Justiça, que constatou incapacidade de o Circo Internacional Portugal em mantê-las.
Na sequência, foram transferidas para um sítio em Paraguaçu, no sul de Minas Gerais. Lá, viveram seis anos acorrentadas, até irem para o santuário. A viagem de 1.600 km da dupla de 3,6 troneladas e 3,3 toneladas levou dois dias, cruzando estradas de Minas, São Paulo, Goiás e Mato Grosso, envolvendo 15 pessoas, mais a escolta da Polícia Rodoviária Federal (PRF).
Até o ano que vem, ambas terão a companhia de Ramba, elefanta de 50 anos que está em um zoológico no Chile, também apreendida em circo. Junia espera fechar o valor de US$ 68 mil (cerca de R$ 214 mil) em doações para trazê-la de avião ao Brasil.
O interesse da publicitária por elefantes vem desde criança. “Queria ser bióloga, mas virei publicitária”, brinca. Mas foi em 2005 que ela passou a se interessar pelo bem-estar dos animais. Após anos de rotina estressante em algumas das maiores agências de publicidade do país, ela decidiu estudar fotografia e foi à África registrar o comércio de marfim, que leva ao extermínio de 35 mil animais por ano.
Em 2010, na volta de uma viagem ao Quênia, a publicitária ficou sensibilizada com uma elefanta em condições precárias em um zoológico de São Paulo. “Ela vivia em um espaço mínimo, em que mal podia se mexer. Achei aquilo profundamente deprimente e resolvi buscar ajuda da Elephant Voices”, explica Junia, que se tornou representante no Brasil da ONG, a principal entidade de defesa dos elefantes do mundo.
Em maio de 2015, o santuário adquiriu a propriedade no Mato Grosso por R$ 3,2 milhões a serem pagos em seis anos. A montagem da estrutura foi baseada no Elephant Sanctuary, um dos principais retiros do mundo, no Tenesee, nos EUA. O americano Scott Blais, cofundador do Elephant Sanctuary e um dos maiores especialistas na recuperação de elefantes em cativeiro, é um dos administradores do SEB.
Por mês, a recuperação e manutenção de cada elefante custará R$ 20 mil, entre alimentação, medicamentos e salários de tratadores e médicos veterinários. O orçamento vem principalmente de entidades internacionais, como a própria Elephant Voices e a Global Sanctuary Elephants, além de doações nacionais pelo site do santuário. No transporte de Maia e Guida, por exemplo, que custou R$ 140 mil, o SEB arrecadou R$ 53 mil em uma vaquinha on-line, além de contar com o patrocínio de uma seguradora.
Doenças
A vida em cativeiro causa uma série de sequelas físicas e psicológicas aos animais. No livro “Mente e Movimento: Indo ao encontro dos Interesses dos Elefantes”, a bióloga queniana Joyce Poole, uma das principais pesquisadoras de elefantes do mundo e fundadora da Elephant Voices, explica que na natureza os animais raramente ficam imóveis. Estima-se que na selva eles passem 20 das 24 horas do dia se locomovendo em busca de alimento, água e companhia. “No cativeiro, eles não caminham, o que é essencial para a saúde dos elefantes”, ressalta Junia Machado, presidente do Santuário de Elefantes Brasil (SEB).
Sem poder se movimentar, os animais de circos e zoológicos sofrem com obesidade, artrite, disfunções psicológicas e, principalmente, infecções nas patas, causa de metade das mortes em cativeiro. “Uma série de fatores levam o animal à morte por causa de problemas nas patas: feridas causadas pelas correntes, o fato de só pisarem em solo duro, o que atinge as articulações, além de pisarem constantemente nas próprias fezes e urina, o que só piora o quadro”, explica Junia, que está tentando levar para o santuário uma elefanta de João Pessoa (PB) que se encontra exatamente neste cenário, com infecção nas quatro patas. “A dor que esse animal está sentindo deve ser insuportável”, lamenta Junia.
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