O acidente com o castelo inflável que matou duas crianças em Curitiba completou um ano neste mês, mas, apesar da repercussão que o caso teve na época, o alerta que a tragédia trouxe ainda deve demorar para surtir efeito em termos de regras: as discussões que se iniciaram para a criação de normas nacionais para o uso de brinquedos infláveis têm previsão para terminar apenas em 2010. Enquanto a comissão criada pela Câmara Municipal de Curitiba para discutir o uso de infláveis estuda exigências para os brinquedos junto com a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), as empresas de aluguel desse tipo de produto, que tiveram queda nos pedidos logo após o acidente, voltaram à demanda normal (veja no quadro ao lado).
As mortes das crianças Amanda Oliveira Vieira, de 8 anos, e Luís Eduardo Weber da Silva, de 5, vítimas da fatalidade durante uma festa de confraternização dos funcionários da empresa Siemens, completaram um ano no dia 16 de setembro. Eles brincavam em um castelo inflável quando uma forte rajada de vento fez com o que o brinquedo fosse arremessado. Outras oito pessoas ficaram feridas.
Na época, a discussão de que a tragédia poderia ter sido evitada se o castelo de ar estivesse amarrado a estacas presas ao solo fez como os vereadores de Curitiba montassem uma comissão especial para criar regras para este tipo de brinquedo. Em outubro de 2007, a Câmara montou uma comissão especial que passou a discutir o uso de infláveis de grande porte e similares na cidade. "Como nem ABNT possui um conjunto de orientações para a utilização desses brinquedos, os parlamentares decidiram encaminhar um pedido de normatização à entidade", conta José Carlos Lauter, diretor de comissões especiais da Câmara.
Regras
Até agora, foram realizadas duas reuniões na sede da ABNT, em São Paulo: uma no dia 31 de julho, e a outra no último dia 15, véspera do primeiro aniversário do acidente fatal na CIC. "A previsão é que as discussões terminem em 18 meses, ou seja, no início de 2010", diz Lauter, que foi escolhido para representar a Câmara Municipal de Curitiba nas discussões. Ele conta que o prazo "é normal para qualquer discussão na ABNT". "As conversas têm de ser bem detalhadas", explica.
Outras duas reuniões estão marcadas para os dias 10 e 11 de novembro. Mas o processo de criação das regras ainda depende de outras etapas. Depois de definido pela comissão de estudos da ABNT, o conjunto de normas passará por consulta pública. Se houver novas sugestões, o documento volta a ser discutido pelo grupo. "O órgão trabalha com a definição das regras por consenso", explica. "Só em último caso é que a decisão acontece através de voto".
Mesmo após a criação, não há garantia de que as regras serão aplicadas. As normas da ABNT não têm valor de lei. Elas normalmente servem para orientar a legislação, que pode citar as definições da entidade como regra legal. A partir daí, no entanto, o consumidor desses produtos já pode se sentir mais seguro, afirma Lauter. "As normas poderão ser consultadas por qualquer pessoa, que pode selecionar a empresa que alugará o brinquedo ou a fabricante pela adequação ou não aos preceitos", diz.
Ainda assim, após a conclusão das discussões, a ABNT deve propor a adoção das normas, de caráter voluntário, pelo Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Inmetro), cujas determinações são compulsórias.
Processo judicial
A empresa responsável pela locação do castelo inflável à Associação Desportiva Classista da Siemens de Curitiba foi a Casquinha Eventos. Apesar da fatalidade, as famílias das vítimas não entraram com processo contra a empresa ou contra a Siemens. Procurada pela reportagem da Gazeta do Povo Online a família de uma das vítimas disse que não gostaria de se pronunciar sobre o caso.
A polícia, no entanto, entendeu que houve negligência por parte da Casquinha. No dia 17 de outubro de 2007, o delegado Carlos Alberto dos Santos Castanheiro, do 3º Distrito Policial, indiciou por homicídio culposo (sem a intenção de matar) os dois proprietários da empresa. A Siemens não foi citada no inquérito.
O caso está para ser julgado na 5ª Vara Criminal da Justiça do Estado. No dia 6 de fevereiro, a juíza Luciane do Rocio Custódio Ludovico marcou uma audiência com os réus para a data de 8 de outubro. Como no indiciamento estabelecido no inquérito policial o delegado não pediu a prisão dos proprietários da Casquinha, ambos continuam trabalhando na empresa. Rafael Canzan, advogado dos acusados, está otimista para o julgamento. "A empresa tem um histórico de quase 10 anos, mais de duas mil festas, e nunca aconteceu algo semelhante", diz.
No inquérito policial, o delegado entendeu que houve negligência por parte dos donos da empresa, uma vez que o fabricante dos brinquedos teria orientado à empresa de locação que fosse feita a fixação dos infláveis quando colocados em local aberto, o que não ocorreu. O advogado alega que, sem um manual de instruções que dissesse que o castelo deveria ser fixado ao solo, não havia obrigação do procedimento. "O que o delegado cita como orientação da fabricante foi uma resposta, dada em 26 de setembro, pela fabricante, a pedido da polícia, em que falava sobre essa necessidade", afirma. "Só depois do que aconteceu é que eles passaram a orientar, de fato, quanto à fixação".
Canzan explica ainda que a empresa não foi responsabilizada civilmente e, portanto, não está comprometida a pagar qualquer indenização às famílias das vítimas do acidente. A Siemens, por meio da assessoria de imprensa, também informou que não foi responsabilizada em qualquer instância pelas mortes das crianças.
A presidente da Associação Desportiva Classista da Siemens, Estel Bozza, disse que o acompanhamento e apoio às famílias das vítimas foi prestado pela empresa. Segundo Estel, a associação não realizou mais, e nem há planos de realizar, eventos com a utilização de brinquedos infláveis. A assessoria de imprensa da Siemens em São Paulo informou que a empresa acompanhou a perícia do caso na época, mas que, como não foi responsabilizada pelo acidente, deixou de acompanhar o assunto desde então.