Nety Levy, moradora do bairro Guabirotuba, cuida e promove adoções de cachorros de rua.| Foto: Hugo Harada/Gazeta do Povo

Começou a tramitar na Câmara Municipal um polêmico projeto de lei que prevê descontos na tarifa do IPTU (Imposto Sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana) para quem conceder moradia a ao menos um cão da própria rua. A proposição é do vereador Professor Galdino (PSDB), e visa a instalação e cuidados de manutenção de uma casinha para o animal em frente ao seu terreno. Segundo o próprio legislador, a ideia é incentivar a adoção, ainda que essa estratégia não nutra carinho de sociedades protetoras dos animais e de iniciativas comuns.

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O projeto de lei é balizado numa pesquisa de 2012 da Universidade Federal do Paraná (UFPR), que ilustrava Curitiba com cerca de 450 mil cachorros, dos quais 48% viviam na condição de abandono ou de semi domicílio (quando o cão passa o dia na rua, mas possui dono). Segundo o vereador e a Rede de Proteção Animal da cidade, não há nenhuma pesquisa mais recente, mas a prefeitura trabalha com base em 50 mil cães de rua, a maioria na condição de semi domicílio.

Para Nety Levy, criadora do site Pet de Rua e organizadora de feiras de animais há dez anos, as estimativas podem estar até mesmo defasadas, “tamanho o percentual de cães na rua”. “Eu trabalho com cuidado e doação de cães há bastante tempo e nunca vi tamanha quantidade e descaso por parte do poder público. Nenhuma iniciativa municipal tem funcionado”, afirma.

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Cuidadora já encaminhou a doação de 600 cães

Moradora do Guabirotuba já adotou e depois organizou a doação de 600 cães ao longo de 10 anos

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Soraya Simon, presidente da Sociedade Protetora dos Animais de Curitiba, entidade que cuida atualmente de 350 animais, também repercute a indignação com o projeto. “Adotar um animal é uma responsabilidade muito grande, na própria casa ou na frente de casa. O problema essencial dos animais na rua é o abandono. Isso é o que gera essa superpopulação. O trabalho do poder público deveria ser focado na prevenção. As pessoas têm que adotar por vontade, porque podem cuidar. Não porque há alguma espécie de incentivo. Na nossa visão, é a mesma coisa que darmos ração e tudo mais para alguém que vem até nós para adotar um animal. Não vejo como essa medida possa ajudar”, explica. “Não previne o abandono. Isso é essencial”, completa.

Defesa do projeto

Segundo Galdino, a iniciativa vai ao encontro de outras similares já adotadas em algumas cidades e que tentam lidar com o mesmo problema: o excesso de cães de rua. Elas falam sobre isenção e adoção.

Em Ponta Grossa, desde 2015 o Programa Municipal de Adoção Responsável de Pequenos Animais concede descontos no IPTU para contribuintes que adotarem animais. O desconto é de R$ 63 para cada animal adotado, renovável de ano em ano. Cada cidadão pode adotar até dois animais. As determinações mínimas, segundo a lei, são: ter o imóvel murado, cercado e com portões fechados, e evitar que o animal fique na rua. A cidade de Araquari, em Santa Catarina, convive com projeto bem similar.

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Segundo a Prefeitura de Ponta Grossa, no entanto, a aplicação prática da Lei de Adoção Responsável de Animais ainda depende de regulamentação, cujo texto está sendo finalizado. Até esta semana, a administração pública não registrou nenhuma solicitação de adoção.

De acordo com o vereador de Curitiba, a legislação adotada nesses outros municípios é um pouco utópica num primeiro momento. “Tive essa ideia para Curitiba, mas não já. Acho que ainda nos falta cultura. Essa ideia pode virar uma bola de neve. Alguns mal-intencionados podem entrar no programa somente para garantir os descontos e não para efetivar a ajuda ao animal. Acho que devemos começar com esse programa e paulatinamente ir incrementando”, explica Galdino.

O projeto de lei de sua autoria, no entanto, não explica como funcionará a fiscalização para impedir que “aproveitadores” entrem no programa apenas pelo desconto. Em Ponta Grossa, a fiscalização será feita pelos agentes comunitários de saúde, agentes comunitários de endemias e pela equipe da Secretaria Municipal de Meio Ambiente.

O documento ainda passará pelas comissões temáticas da Câmara de Curitiba e a lei, se aprovada, pode vigorar apenas a partir da próxima legislatura, em 2017. Novos estudos podem ser adicionados ao texto original, bem como a apresentação da viabilidade financeira. “Não tenho estimativa de quanto vai custar”, afirma Galdino.

O vereador e os animais

Famoso por projetos de lei que envolvam animais, Galdino pretende apresentar novas propostas com esse foco até o final do ano. “Sei que muitos municípios despejam cães e gatos em Curitiba. Nós precisamos de uma lei para punir quem faz esse tipo de coisa. Outra lei que vou propor é a que vai igualar o crime a abandono de animal ao de abandono de criança. Também precisamos de animais chipados para fazer esse controle. Todos os animais da cidade têm que ter um chip com identificação”, explica.

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O vereador é autor do projeto de lei que propõe um canil municipal para Curitiba e também da farmácia veterinária pública, projeto apresentado em novembro de 2015 e que segue em tramitação. Ele também já quis tornar Hanna Golden Lata o nome de um logradouro públicos da capital. A cadela era símbolo do Gaeco. A Comissão de Legislação, Justiça e Redação da Câmara Municipal mandou arquivar a iniciativa, com a justificativa de que um cão não poderia ser homenageado.

Obrigatoriedade para abrigos

Outra proposta em tramitação na Câmara dos Vereadores dispõe sobre a obrigatoriedade das casas de acolhimento e passagem acolherem também os animais dos moradores de rua. O projeto de lei é do vereador Dirceu Moreira (PSL) e prevê a garantia de permanência do animal no espaço pelo período de estadia do morador em situação de rua. Segundo a justificativa do projeto, o objetivo é driblar a resistência dos moradores que se negam a dormir em albergues, para não abandonar seus amigos.

Para a Fundação de Ação Social de Curitiba (FAS), essa já é a realidade em ao menos uma das casas de passagem da cidade. A unidade Plínio Tourinho recebe cães desde 2013. Ainda segundo a FAS, também existe um convênio entre a Prefeitura e a Rede de Proteção ao Animal da cidade. Uma vez que o morador de rua impõe essa condição para fazer uso da casa, a Rede pode providenciar todo o aparato necessário para o acolhimento do animal em qualquer unidade.

Segundo a FAS, essa demanda surgiu dos próprios assistentes sociais, para quebrar também essa possibilidade de entrave no aceite ao atendimento.