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Religião

Católicos na idade da tribo

Jaqueline da Conceição Belo, em Palmeira, nos Campos Gerais, onde tudo começou: aos 13 anos no grupo de jovens; aos 22 na equipe do Núcleo de Pastoral da PUCPR | Henry Milléo/ Gazeta do Povo
Jaqueline da Conceição Belo, em Palmeira, nos Campos Gerais, onde tudo começou: aos 13 anos no grupo de jovens; aos 22 na equipe do Núcleo de Pastoral da PUCPR (Foto: Henry Milléo/ Gazeta do Povo)

Rapazes e moças reunidos em ro­­da, cantam ao violão uma música do padre Zezinho: "Eu venho do Sul e do Norte, do Leste e do Oeste, de todo lugar..." Muitos deles le­­vam no peito uma cruz, como diz a canção. Essa imagem dispensa explicações – trata-se da fotografia dos chamados "grupos de jo­­vens", que pipocaram na Igreja Católica a partir dos anos 1960, na alvorada do Concílio Vaticano II, aquele que, no senso comum, "mudou tudo".

Os ventos de renovação da Igre­­ja em meados do século 20, difícil ne­­gar, foram acima de tudo juvenis. A substituição do latim pela lín­­gua vernácula, o padre ce­­le­­bran­­do de frente para o público e a voz dada aos leigos atingiram, so­­bretudo, a camada de fiéis que se viam mais atingidos pelo chamado "mundo em transformação" – da minissaia à pílula, passando pela Guerra do Vietnã, pelas ditaduras militares na América Latina e pelo avanço dos então aclamados "MCS", os meios de comunicação social.

É fato que o período áureo do "poder jovem" na Igreja não veio com a voz do vento ou com a dos Beatles. Foi fruto também do trabalho da chamada Ação Católica, nas décadas anteriores – quando o método "ver, julgar, agir" tirou do comodismo milhares de jovens católicos dos quatro costados. Igualmente é fato que nada disso se resume a uma página do passado. Juventude e catolicismo permanece um assunto tão atual quanto a fome na África.

A cena da moçada em roda e do violão pode ser verificada em pelo menos 80% das paróquias brasileiras, de acordo com dados da Con­ferência Na­­cional dos Bispos do Brasil, a CNBB. E foi conferida pela reportagem nu­­ma manhã de sábado (leia na pá­­gina ao lado), em Curitiba, na vés­­pera de um feriadão. Aqui e ali, desafiam-se as estatísticas que desde o início da década de 1990 apontam uma diminuição significativa de católicos no Brasil, particularmente na faixa que vai da adolescência aos chamados jovens adultos.

Evasão

A última pesquisa publicada – "Mapa das Religiões" – é da Fundação Getúlio Vargas (FGV), tem a chancela do conceituado economista Marcelo Neri e confirma aferições anteriores, como a "Religião e Sociedade em Ca­­pitais Brasileiras", assinada em 2006 pela equipe do sociólogo César Romero Jacob, da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Dos 15 aos 39 anos, em duas décadas, a evasão da juventude na Igreja soma 1% ao ano, sendo mais expressiva em dois grupos sociais tão distantes que parecem separados por uma fissura tectônica – os mais pobres e os mais ricos. A tendência foi ve­­rificada no Censo 2000 e, segundo os "porcentos", assim permanece.

Não é uma questão que cause eco nas catedrais – informam em uníssono padres, líderes e jovens que participam em alguma instância das comunidades e movimentos católicos. Al­­guns dos consultados pela reportagem chegam mesmo a dizer que o catolicismo vive um momento de renascimento juvenil equiparado ao pós-Vaticano II.

A afirmação se baseia na mais antiga das ciências – a experiência. Contam como prova a presença maciça de jovens católicos nas redes sociais, tuitando mais do que as contas de um rosário. E as impressionantes Jornadas Mundiais da Juventude, que chegam a reunir 2 milhões de participantes em idade de surfar e namorar. Em paralelo às estatísticas, tudo indica que há um fenômeno nem sempre quantificável pedindo para ser observado.

Jovens chegam à Igreja por "pistas próprias"

A juventude católica mudou de cara. A Igreja se deu conta disso. E reagiu. A começar pela nomenclatura. Na última década, o que se chamava genericamente de "Pastoral da Juventude" – que tanto lembra os algo românticos grupos paroquianos dos tempos idos – passou a ser denominado "Setor da Juventude", um guarda-chuva que abriga a pastoral e outros tantos movimentos eclesiais juvenis.

Faz sentido – é preciso dar conta das mudanças que varreram as comunidades do país, agora nitidamente tribalizadas. "A nossa marca hoje é a pluralidade", resume Marcos Moura, 27 anos, coordenador da área na Arquidiocese de Curitiba.

O que Moura chama de pluralidade são os 17 movimentos diferentes que fazem parte apenas do setor arquidiocesano, atingindo diretamente mais de 50 mil jovens na capital e parte da região metropolitana. Apenas o grupo Canção Nova, calcula ele, agrega 5 mil participantes. Em maior ou menor escala, fenômeno semelhante se verifica em outras divisas.

Essas e outras cifras são festejadas pela Igreja. Pudera – funcionam como um refresco depois de um período de secularização crescente e de conflitos ideológicos talibânicos entre a ala da práxis política e a da espiritualidade. Não causa espanto que os números recém-divulgados pela Fundação Getúlio Vargas não tenham motivado uma vigília sequer. "Diminuiu? Não parece", acha graça a estudante Jaqueline da Conceição Belo, 22 anos, uma das ouvidas para esta reportagem.

Variantes

Estariam os dados errados? Dificilmente. Em entrevista à Gazeta do Povo, o economista Mar­­celo Neri comenta que o maior fascínio das pesquisas sobre religião é a infinidade de variantes que comportam. Em outras palavras, em se tratando de fé, a leitura pura e simples de índices maiores e menores é um passo certo para o erro crasso. Uma dessas ciladas es­­tatísticas é a impossibilidade de me­­dir a intensidade e convicção dos fiéis, determinante na sua permanência numa confissão ou na fileira crescente dos "não cren­­tes". "Temos de admitir que o ca­­­tolicismo cultural está desaparecendo", diz o padre Alexander Cor­­deiro Lopes, 33 anos, assessor do Se­­­tor de Juventude da arquidiocese.

Padre Alex, como é chamado, toca no ponto. Não se sabe em que medida, mas muitos jovens de hoje não herdaram de seus pais a fé ou a imposição de seguir o catolicismo. Milhares se aproximaram da Igreja por pistas próprias e, por isso mesmo, ali tendem a permanecer. Curiosamente, era o que desejavam os jovens das paróquias de outrora. O mundo deu voltas – e, nesse caso, sempre ao som das músicas do padre Zezinho. (JCF)

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