Rapazes e moças reunidos em roda, cantam ao violão uma música do padre Zezinho: "Eu venho do Sul e do Norte, do Leste e do Oeste, de todo lugar..." Muitos deles levam no peito uma cruz, como diz a canção. Essa imagem dispensa explicações trata-se da fotografia dos chamados "grupos de jovens", que pipocaram na Igreja Católica a partir dos anos 1960, na alvorada do Concílio Vaticano II, aquele que, no senso comum, "mudou tudo".
Os ventos de renovação da Igreja em meados do século 20, difícil negar, foram acima de tudo juvenis. A substituição do latim pela língua vernácula, o padre celebrando de frente para o público e a voz dada aos leigos atingiram, sobretudo, a camada de fiéis que se viam mais atingidos pelo chamado "mundo em transformação" da minissaia à pílula, passando pela Guerra do Vietnã, pelas ditaduras militares na América Latina e pelo avanço dos então aclamados "MCS", os meios de comunicação social.
É fato que o período áureo do "poder jovem" na Igreja não veio com a voz do vento ou com a dos Beatles. Foi fruto também do trabalho da chamada Ação Católica, nas décadas anteriores quando o método "ver, julgar, agir" tirou do comodismo milhares de jovens católicos dos quatro costados. Igualmente é fato que nada disso se resume a uma página do passado. Juventude e catolicismo permanece um assunto tão atual quanto a fome na África.
A cena da moçada em roda e do violão pode ser verificada em pelo menos 80% das paróquias brasileiras, de acordo com dados da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, a CNBB. E foi conferida pela reportagem numa manhã de sábado (leia na página ao lado), em Curitiba, na véspera de um feriadão. Aqui e ali, desafiam-se as estatísticas que desde o início da década de 1990 apontam uma diminuição significativa de católicos no Brasil, particularmente na faixa que vai da adolescência aos chamados jovens adultos.
Evasão
A última pesquisa publicada "Mapa das Religiões" é da Fundação Getúlio Vargas (FGV), tem a chancela do conceituado economista Marcelo Neri e confirma aferições anteriores, como a "Religião e Sociedade em Capitais Brasileiras", assinada em 2006 pela equipe do sociólogo César Romero Jacob, da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Dos 15 aos 39 anos, em duas décadas, a evasão da juventude na Igreja soma 1% ao ano, sendo mais expressiva em dois grupos sociais tão distantes que parecem separados por uma fissura tectônica os mais pobres e os mais ricos. A tendência foi verificada no Censo 2000 e, segundo os "porcentos", assim permanece.
Não é uma questão que cause eco nas catedrais informam em uníssono padres, líderes e jovens que participam em alguma instância das comunidades e movimentos católicos. Alguns dos consultados pela reportagem chegam mesmo a dizer que o catolicismo vive um momento de renascimento juvenil equiparado ao pós-Vaticano II.
A afirmação se baseia na mais antiga das ciências a experiência. Contam como prova a presença maciça de jovens católicos nas redes sociais, tuitando mais do que as contas de um rosário. E as impressionantes Jornadas Mundiais da Juventude, que chegam a reunir 2 milhões de participantes em idade de surfar e namorar. Em paralelo às estatísticas, tudo indica que há um fenômeno nem sempre quantificável pedindo para ser observado.
Jovens chegam à Igreja por "pistas próprias"
A juventude católica mudou de cara. A Igreja se deu conta disso. E reagiu. A começar pela nomenclatura. Na última década, o que se chamava genericamente de "Pastoral da Juventude" que tanto lembra os algo românticos grupos paroquianos dos tempos idos passou a ser denominado "Setor da Juventude", um guarda-chuva que abriga a pastoral e outros tantos movimentos eclesiais juvenis.
Faz sentido é preciso dar conta das mudanças que varreram as comunidades do país, agora nitidamente tribalizadas. "A nossa marca hoje é a pluralidade", resume Marcos Moura, 27 anos, coordenador da área na Arquidiocese de Curitiba.
O que Moura chama de pluralidade são os 17 movimentos diferentes que fazem parte apenas do setor arquidiocesano, atingindo diretamente mais de 50 mil jovens na capital e parte da região metropolitana. Apenas o grupo Canção Nova, calcula ele, agrega 5 mil participantes. Em maior ou menor escala, fenômeno semelhante se verifica em outras divisas.
Essas e outras cifras são festejadas pela Igreja. Pudera funcionam como um refresco depois de um período de secularização crescente e de conflitos ideológicos talibânicos entre a ala da práxis política e a da espiritualidade. Não causa espanto que os números recém-divulgados pela Fundação Getúlio Vargas não tenham motivado uma vigília sequer. "Diminuiu? Não parece", acha graça a estudante Jaqueline da Conceição Belo, 22 anos, uma das ouvidas para esta reportagem.
Variantes
Estariam os dados errados? Dificilmente. Em entrevista à Gazeta do Povo, o economista Marcelo Neri comenta que o maior fascínio das pesquisas sobre religião é a infinidade de variantes que comportam. Em outras palavras, em se tratando de fé, a leitura pura e simples de índices maiores e menores é um passo certo para o erro crasso. Uma dessas ciladas estatísticas é a impossibilidade de medir a intensidade e convicção dos fiéis, determinante na sua permanência numa confissão ou na fileira crescente dos "não crentes". "Temos de admitir que o catolicismo cultural está desaparecendo", diz o padre Alexander Cordeiro Lopes, 33 anos, assessor do Setor de Juventude da arquidiocese.
Padre Alex, como é chamado, toca no ponto. Não se sabe em que medida, mas muitos jovens de hoje não herdaram de seus pais a fé ou a imposição de seguir o catolicismo. Milhares se aproximaram da Igreja por pistas próprias e, por isso mesmo, ali tendem a permanecer. Curiosamente, era o que desejavam os jovens das paróquias de outrora. O mundo deu voltas e, nesse caso, sempre ao som das músicas do padre Zezinho. (JCF)