O resgate dos cães da raça Beagle em São Roque, no interior de São Paulo, despertou um debate até então adormecido no país sobre a necessidade do uso de animais em testes de laboratório. Apesar de já existirem alternativas para experimentar as reações de determinados remédios, especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo garantem que esses métodos ainda não são capazes de reproduzir com exatidão todos os sistemas de organismos vivos e que serão necessários mais alguns anos para que os polêmicos procedimentos deixem de existir.
Essa tese é defendida, por exemplo, pelo biólogo Octavio Presgrave, coordenador do Centro Brasileiro de Validação de Métodos Alternativos (Bracvam). "A utilização de animais ainda é necessária, por exemplo, em estudos de toxicidade crônica e reprodutiva, nos quais a administração do medicamento é feita de forma repetida, por vários dias", exemplifica.
Para o biólogo Thales Tréz, pesquisador da Universidade Federal de Alfenas (MG), o termo imprescindível na ciência é relativo. Segundo ele, os testes com animais realizados no Instituto Royal podem até serem feitos dentro da legalidade, mas o problema está na finalidade deles. "Precisamos de modelos baseados em dados humanos, como células humanas, modelagem matemática, estudos epidemiológicos e imunológicos. São recursos com valor preditivo mais coerente com nossa biologia porque parte de uma genética própria do ser humano", opina.
Apesar da necessidade dos animais em laboratório, Presgrave entende que a ciência caminha para o fim desses testes. "Décadas atrás não imaginávamos que poderíamos prescindir desse método para testar a potência da insulina ou estudar a permeação cutânea, por exemplo, e hoje fazemos isso pela cromatografia e pela metodologia in vitro."
No Brasil, entretanto, esse avanço pode ser mais lento do que o esperado pelos ativistas que no último dia 18 retiraram os beagles do Instituto Royal. Isso porque o primeiro investimento formal do país em métodos alternativos ocorreu apenas no ano passado, por meio de um edital que contemplou nove projetos para pesquisas que não utilizassem animais.
Além disso, entraves burocráticos ainda dificultam o avanço no setor. A pele humana reconstituída, por exemplo, é produzida por meio do cultivo de células e substitui coelhos em testes que avaliam irritação e corrosividade. Seu uso, porém, depende da importação de um kit cujo prazo de validade é de sete dias. "Isso torna impossível comprar esse material e tê-lo na mão do pesquisador antes do vencimento", argumenta Presgrave.