O assunto foi bem destacado pelos meios de comunicação: o Ministério Público Federal protocolou, em Uberlândia (MG), uma ação judicial contra a Editora Objetiva e o Instituto Antônio Houaiss para que o Dicionário Houaiss de Língua Portuguesa seja retirado de circulação. Segundo o procurador da República Cléber Eustáquio Neves, o dicionário infunde o preconceito e potencializa o racismo ao atribuir à palavra "cigano" acepções pejorativas. A prova: numa das acepções dadas pelo Houaiss, informa-se que "cigano" é aquele que trapaceia (velhaco, burlador). Ora, tal descrição não infunde preconceito?
A resposta é sim e não.
Sim: pessoas que fazem uso dessa acepção para infundir e/ou potencializar o ódio contra os ciganos devem ser tratadas como criminosas e, portanto, têm contas a acertar com a Justiça.
Não: o Houaiss não está errado por ter registrado uma acepção pejorativa da palavra "cigano", pois essa é uma das funções de um bom dicionário. A definição que tanto causou polêmica aparece na rubrica "uso pejorativo". E pejorativo não é sinônimo de científico, exato, mas de depreciativo. A diferença é enorme. Basta consultar um dicionário.
É fato incontestável que discursos depreciativos sobre grupos sociais circulam em nossa sociedade (judeus, loiras, baianos, gaúchos etc.). Caso os dicionários não registrem esses sentidos, perde-se uma informação importante sobre o estágio da nossa língua, sobre discursos perversos que eram e que são comuns em nossa cultura. Deve-se, é claro, haver a anotação bem clara sobre esse tipo de acepção: pejorativa, regional, popular ou mesmo criminosa. Mas não é correto, mesmo reconhecendo a nobreza da ação do promotor, calar um instrumento cuja função é esclarecer.
O Houaiss não pode ser réu nesse caso, pois não cometeu nenhum crime. Foi acusado erroneamente porque algumas pessoas leram o dicionário como se lê a Constituição.