Uma professora, que trabalha com turmas de alfabetização, mandou-me e-mail em que contesta o ponto de vista que teria sobressaído na minha coluna anterior, "Aprendendo com as placas do Brasil" (Gazeta, 7/5), de que a ortografia é "apenas um detalhe" e, por isso, não é interessante abordar o assunto em sala de aula. O trecho da discórdia é este: "No entanto, caso o professor se concentre apenas nos detalhes ortográficos, deixará de lado o que julgo mais grave".
Parece-me que ficou claro, pela nossa troca de e-mails, que eu não defendi isso. Caso tivesse, de fato, cometido tal disparate, seria um erro grave cometido por quem, ainda, continua sendo professor de Português.
O que defendo é que o professor de Português, ao contrário de profissionais de outras áreas do conhecimento, não trabalhe com noções simplificadoras do certo e do errado, do crime contra a língua, do "esse menino não tem jeito" etc. Quando um aluno escreve "marcineiro" em vez de "marceneiro", está mostrando que está levando a sério as aulas e o nosso sistema de escrita; ele está dando uma prova incontestável de que está no caminho certo. Se fosse "marsineru", teríamos aí uma transcrição fonética (quase profissional) da palavra, ou seja, teríamos a representação gráfica da pronúncia da maioria dos brasileiros. Uma pessoa não treinada para o ofício talvez tenha um ataque cardíaco, e aí é com o SAMU; um profissional da área precisa ver que está diante não de um mensaleirinho, mas de uma criança que está tentando hipóteses produtivas que cambiam entre a fala e a escrita.
De modo mais geral, o professor de Português também lerá em placas do tipo "Borasaria para caro peqeno" não um atentado contra a língua, mas sim o difícil caminho percorrido por brasileiros com baixo letramento para se ajustarem ao nosso sistema de escrita.
São questões a serem trabalhadas, mas sem estigmatizar, ainda mais, essas pessoas.
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