Pelo menos uma vez na vida partilhei de um instante epifânico que, do nada, parecia prometer a riqueza eterna mais ou menos como um Steve Jobs distraído com um retângulo de isopor nas mãos, que imagina, súbito, um iPad. Era um grupo de amigos reunidos para um churrasco com cerveja, numa varanda tranquila. Linguicinha de aperitivo, conversa fiada e risadas, boa música, o estalar de latas de cerveja que, vazias, se acumulavam na mesa até que alguém o legendário Bob Lasagna contemplou uma delas contra a luz, como a apreciar a perfeição exótica da forma. Colocou a latinha no chão com o cuidado de quem tenta deixar um pião em pé, e, respirando fundo paramos todos, para descobrir o que seria aquilo ergueu a perna de um golpe e esmagou-a com uma pisada fulminante. No silêncio que se seguiu, Bob recolheu o que sobrou da lata, uma chapa concentrada de alumínio, um medalhão arruinado, e escrutinou-a com um olhar científico.
Vejam mostrou ele, didático. É importante que, no esmagamento da lata, o anel superior fique o mais próximo possível do anel inferior, sem deslocar-se do eixo central, mantendo a simetria.
Imediatamente, sob o brilho genial de uma nova ideia, todos nos pusemos alegremente a esmagar latas, em busca do perfeito medalhão. O espírito competitivo, talvez neoliberal (era o final dos 90), levou-nos ao divertido desespero de bater, de uma pisada só, o altíssimo padrão da primeira amostra. Era difícil. As latas escorregavam, desbeiçadas, ou não mantinham a mesma altura do anel, tocos desajeitados, ou escapavam do pé, já pouco firme àquela altura. Em pouco tempo não havia mais latas vazias era preciso beber mais para manter o ritmo.
Na entusiasmo da epifania, pusemo-nos a pensar sobre o futuro daquela grande ideia. Fotografei os três primeiros lugares, escolhidos numa seleção criteriosa em primeiro, o padrão Bob de qualidade, e duas outras que chegavam perto, anéis superiores logo acima dos superiores, a borda simétrica, levaram o segundo e terceiro lugares. Não víamos latas esmagadas: víamos um conceito. Por que não criar um concurso de latas esmagadas? Espalhar a ideia pelo Brasil inteiro! Tudo a favor: o espírito ecológico, facilitando já no consumo a reciclagem do alumínio; o lado esportivo e suas subdivisões (categorias chinelo, botina, sapato, e a variante punk, de pé descalço); a força da publicidade (esmague sua lata com pisantes Crash!); a abertura infanto-juvenil (só latas de refrigerantes); a venda dos direitos de transmissão e das cotas publicitárias; os métodos de medição da simetria; os empates espetaculares.
Um mundo de oportunidades se abria, luminoso. O churrasco ficou pronto, a tarde corria, abrimos nossas últimas latinhas ainda inebriados com o projeto. Mas, por alguma razão, ninguém mais falou disso na ressaca do dia seguinte e a ideia se perdeu para sempre.