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 | Gilberto Yamamoto
| Foto: Gilberto Yamamoto

Já contei aqui outro dia que, no mundo dos tuíteres e facebooks, não sou usuário nem perseguidor – sou fugitivo. Nada contra; é que eu ando cronometrando meu tempo com uma mesquinharia que até a mim me assusta. Sou um Pai Goriot da ampulheta. Cinco minutos sem fazer nada e já penso que estou acabado, à beira da desgraça, sem falar do sentimento de culpa e de velheira que corrói minha força de vontade. De onde terei herdado este calvinismo secreto, logo eu, a vida inteira chegado numa cerveja e numa conversa fiada? Não sei. O fato é que venho mantendo uma relação de distância segura das tais redes sociais. Logo serei considerado um pária, um cidadão à margem da sociedade, um desclassificado sem amigos, um mísero torcedor do Atlético. Não me importo.

Mas de uma coisa não consegui fugir: da implacável Voz, disparada por equipes orwellianas de telefonistas na busca insaciável por vítimas. Dizem que se eu ligar para um número tal, a Voz ficará proibida de me ligar sem consentimento, tentando vender apólices de seguro, café da manhã com candidato, cartão de crédito e xampus contra caspa, mas sou cético. Seria a mesma coisa que mudar de e-mail. Em poucos dias o novo e-mail já estará abarrotado de mensagens não solicitadas, no bom sentido, e de tentativas de assalto, no mau. Tenho entretanto uma fórmula para reconhecer imediatamente a Voz, que se disfarça em mil timbres. É quando pedem para falar com o "Cristovão Cesar". Esse meu xará sou eu mesmo, segundo a carteira de identidade. Não contem para ninguém, mas sou assim desde criancinha. Só quem tem acesso secreto ao meu cadastro sabe que, atrás do inocente e afável cronista que assina estas mal traçadas linhas, esconde-se um sinistro Cristovão Cesar, que é mal educado, agressivo e mentiroso. Toca o telefone e eu atendo.

– O senhor Cristovão Cesar está?

Ehehe. A Voz pensa que me engana. O Cesar é a senha que desperta o meu lado ruim.

– Ele está na China.

Silêncio. Derrotei a Voz? Mas a Voz é resistente, não se nocauteia fácil.

– O senhor sabe quando ele volta?

No começo, no esforço por ser verossímil (sempre fui um escritor realista), eu acabava, covarde, entregando os pontos: "Ele volta na semana que vem". É batata: na semana que vem a Voz retorna: "O senhor Cristovão Cesar está?" Comecei a sofisticar as respostas: ele está na Patagônia, ou em Paris, Texas; às vezes foi passar dois meses em Pasárgada, pagar promessa em Aparecida, participar de um congresso de etês em Varginha. Uma vez inventei um verbo: "Ele foi Madagascar." E sempre voltava na semana que vem: era a minha ligação com o mundo real. E a Voz retornando. Mas ontem desfechei o golpe final: "Quando ele volta?! A Polícia Federal gostaria muito de saber. Qual é mesmo a sua ligação com ele?" Desligaram súbito. É incrível, mas o pessoal ainda tem medo da polícia. Acho que agora finalmente o meu xará me libertou da Voz.

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