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Já estou no Brasil, mas enviei estas mal traçadas linhas da França, onde participo do Salão do Livro – e ainda com a China na cabeça, até pela agressão do fuso horário, que vira a alma do avesso. A sensação é de quem, ao mesmo tempo, está sempre sonado e sempre sem sono. Depois de Pequim, uma cidade de grandes extensões e hostil ao pedestre, o que lembra Brasília, cheguei a Xangai, que é outro choque. Olhando por uma janela, é uma São Paulo; por outra, é uma metrópole futurista entrelaçada por viadutos sem fim, um aglomerado impressionante de pistas e carros. A escala, como tudo na China, é gigantesca, e sempre com a estampa de que tudo foi feito ontem.

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O que há de "típico" aqui? Ao primeiro olhar, nada. Em um trem-bala, fui a Suzhou, uma viagem de 20 minutos que me levou à chamada capital da seda, a "Veneza do Oriente", pelos canais que cortam a parte antiga da cidade. Circulei por ruelas comparativamente de alguma pobreza (mas que nem de longe lembram nossas favelas), depois por uma via em que se esbarra em turistas (predominantemente chineses) tirando fotos e comendo quitutes exóticos vindos de tachos de óleo fervente. Num dos salões do hotel, havia uma festa comemorativa dos 100 dias de um bebê que reuniu uma multidão de chineses ricos, chegando em carrões lustrosos. Imensos cartazes dourados, de uma ostentação cafona, anunciavam, inexplicavelmente em inglês, que era uma menina: "It’s a girl!" Já o outro setor da cidade é mais uma metrópole de vias rápidas e viadutos, por onde voltei à estação de trem, que pelo tamanho lembra um aeroporto.

Trocando em miúdos, em três ou quatro décadas a imensa fazenda coletiva em ruínas que era a China de Mao se transformou na segunda economia do mundo e criou uma monumental classe média urbana. Simbolicamente, não se vê em lugar algum estátuas do Mao ou foices e martelos. O Brasil que, atavicamente socialista, imagina-se capitalista, mas que de fato não é nem um nem outro, poderia quem sabe aprender alguma coisa com os chineses. Por desgraça, não temos 5 mil anos.

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É visível um grande interesse pelo Brasil. Na Associação de Escritores de Xangai, em um encontro promovido pelo consulado brasileiro, conversei com quatro autores, representando diferentes gerações. Quando perguntei qual o impacto da Revolução Cultural maoísta – que destruiu o sistema educacional do país e representou uma imensa tragédia – sobre a literatura chinesa, as respostas foram discretas, lembrando-me, sem dizer, que há limites no que pode ser dito por um chinês. A subordinação dos temas políticos à orientação do Partido Comunista, que tudo sabe e tudo vê, é apenas um breve capítulo de uma história imperial milenar. Sente-se o silêncio partilhado de uma cultura muito difícil de ser penetrada.

Por outro lado, eles me dizem que, para os chineses, "o Brasil é um mistério". Respondi com sinceridade: para nós também.

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Uma breve errata: na crônica da semana passada, leia-se "herança da Olimpíada", e não "da Copa", como escreveu este cronista distraído.

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