| Foto:

Infinita é a ignorância humana – e, para não ficar pontificando sobre a espécie, refiro-me exatamente a esse exemplar que vos fala, já passado mais de meio século de vida torta. Volta e meia, tropeço nu­­ma palavra – gaio, tricórnio, si­­lep­­se, adua – em que só uma sombra de sentido me ocorre, por adivinhação ou trapaça, e vou adiante como quem atravessa a rua e finge não ver o conhecido porque os brancos, ou os vácuos, são cada vez mais frequentes. Antigamente era a viagem ao di­­cionário, volumões de letra miúda. Hoje é o conforto do google, que usado com engenho e arte nos leva aos píncaros da física quântica. Vamos catando palavras e criando repertório. Dizem que nosso dia a dia gira em torno de 3 mil palavras – o mesmo vocabulário dos índios e dos que não têm escrita.

CARREGANDO :)

Para quem foi à escola e pegou jeito, o vocabulário sobe para os 5 mil, quem sabe 7 mil, se o sujeito for caxias, mas é um estoque usado com parcimônia, ou ninguém nos aguenta. É uma reserva passiva, para uso na leitura, às vezes na escrita, quase nunca na fala. E há os cercadinhos profissionais, o jargão dos médicos, dos mecânicos, dos advogados (quando têm gosto pela coisa, estes capricham no vernáculo, palavras paramentadas, entonação de sabiá); e há o vocabulário do crime, do colarinho branco e dos sem-colarinho, e por aí vai, cada nicho com sua língua, truques, subentendidos, gírias e silêncios. E, em se tratando de palavras, nenhuma relação en­­tre quantidade e qualidade – até pelo contrário. Machado de Assis não passava de 5 mil palavras, e continua fazendo sentido.

Os políticos criam-se e morrem pela língua, que é arma po­­derosa. Lula é um gênio da fala – com frases curtas, vai direto ao osso, a afirmação límpida e precisa. E, é claro, popular – é ao homem simples que ele se dirige, e não ao letrado; nada é abstrato no que ele diz, toda me­­táfora é concreta. Já FHC, por ex­­cesso de letras, tartamudeia em golfadas sintáticas e gagueiras semânticas, o acadêmico posto ao chão da realidade, indócil no improviso. Dilma fala no tom das assembleias de partido, sindicato ou facção, o pensamento em blocos, a voz avançando agres­­siva, dedo em riste. Serra tem o tom soturno de um temido professor de colégio, dos que não erguem a voz – inspira res­­pei­­to, autoridade e medo, mas nem sempre confiança. Marina tem a consistência didática, mas monocórdia, da declamação. E Ciro não põe coleira nas pa­­lavras, que escapam, como a Presidência.

Publicidade

Nem preciso dizer que nada disso tem relação com competência política ou administrativa, que é outra história, antes que me achincalhem por induzir o leitor a erro. Aliás, o que eu queria mesmo, quando perdi o ru­­mo, era falar de abóboras. Aca­­bo de descobrir que há centenas de variedades de abóboras, da cucurbita maxima à cucurbita moschata – sem esquecer, é claro, da abobrinha, alimento indispensável na dieta dos cronistas.