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Como faço todo fim de ano, também agora consegui uma semana de refúgio em dezembro, o mês alucinado – parece que algum tóxico se espalha na cidade e as pessoas enlouquecidas saem às ruas como formigas cujo formigueiro foi atacado. Os sentimentos em geral são bons, é preciso reconhecer – a fantasia de que o fim de ano é época de paz, amor, compreensão, tolerância e solidariedade é tão forte que as pessoas acabam acreditando nela, pelo menos no âmbito familiar. E o modo de demonstrar esses bons sentimentos é simples e direto: encher os shoppings e as sacolas e trocar presentes. Nada contra: é isso que faz mover a máquina do mundo. Mas para dizer que ainda tenho alguma metafísica na alma, sinto que há também uma certa percepção de um ciclo que se encerra e outro que se abre, simbolicamente poderosa, como se estivéssemos ainda vivendo sob a dura natureza ao sabor renovado das estações, aliás nítidas como nos filmes, e não embaralhadas como em Curitiba.

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Tudo bem, mas como agora estou assumindo meu ansiado papel de velho esquisito, o que eu sempre quis ser desde criança, desci para o litoral, no deserto de Gaivotas, que no dezembro que antecede o Natal tem as características de um paraíso: não há nada a fazer, nada a ver, nada a pensar. Nem uma viva alma nas ruas – aqui e ali, raros, um ou outro operário trabalhando. O caminhão do lixo está mesmo passando de dois em dois dias, o que nos protege das moscas. E banho de mar, só para malucos – sou do tipo vampiro, dos que viram pó à luz do sol. Que, aliás, maravilha das maravilhas, praticamente não está aparecendo. Na dúvida, trouxe a caixa de ferramentas, para enfim fazer uma prateleirinha que venho planejando há uma década. Desta vez, abrindo o portão rangente, descubro que a única coisa que roubaram da casa – à falta de qualquer outro bem fungível além da geladeira, que é grande e pesada – foi a velha antena externa de televisão.

Tranquilo aqui na varanda, posso até ouvir a grama crescer. Mas algo extraordinário aconteceu, percebi acompanhando o dedo apontado do Felipe, meu filho: de uma toca do quintal saíram dois pterodáctilos, ou duas miniaturas de tiranossauros rex (não tão miniaturas: mais de meio metro cada), lagartões pré-históricos. Lentos, desconfiados, mimetizando cuidadosamente o mato em torno, saíram passo a passo da toca para o ar livre, arrastando os rabos imensos. Não pareceram malfeitores, concluí, depois do susto inicial. Invejei neles a capacidade de ficar imóveis, absolutamente imóveis, como monges do Tibete contemplando a neve da montanha.

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E exigem silêncio, se queremos a companhia deles – o mínimo gesto brusco e ambos desaparecem no buraco como por mágica. Uma hora depois, desconfiança redobrada, voltam a mostrar as caras, testando a nossa capacidade de ficar quietos. E são poderosos – já estou praticamente domesticado por eles.