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Cristovão Tezza

Lula e as abstrações

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Como todo brasileiro mais ou menos letrado, venho acompanhando a sucessão de escândalos da Casa Civil – ou da Casa da Dilma, porque afinal foi lá que se fez o ninho de sua candidatura pela mão do presidente Lula. O aspecto que mais vem chamando a atenção dos analistas é o fato de que nada disso parece até o momento afetar os índices das pesquisas da eleição, ainda que haja um ou outro estremecimento aqui e ali, quase imperceptíveis.

As explicações para essa au­­sência de ressonância são muitas – a principal delas, a sa­­tisfação de uma larga parcela do povo beneficiada pelo cresci­­men­­to econômico brasileiro, para a qual o noticiário, em qualquer caso, é irrelevante. Para ou­­tra faixa, a "roubalheira" seria "a de sempre", "política é assim mes­­mo", esse pessoal "rouba mas faz", e se repetem as clássicas afirmações populares que atestam a simples e centenária despolitização brasileira. E para muitos tudo não passaria de uma conspiração da "imprensa vendida", a velha válvula de es­­cape. Amparados na popularidade messiânica de Lula, os candidatos do governo recebem afagos do chefe e seguem em frente, sorridentes na fotografia. Nada parece fazer diferença.

Quando Lula perguntou, há algumas semanas, "onde está esse tal de sigilo", produziu uma piada cretina, é verdade – mas deu mais um exemplo da natureza de seu sucesso, que é o horror a abstrações. Ao transformar o "sigilo" – um complexo conceito criado pela civilização para proteger os direitos do indivíduo – num malfeitor que precisa ser "preso", ao mesmo tempo não disse nada, encerrou o assunto e deixou uma imagem concreta na cabeça do eleitor desavisado. Uma imagem inútil, mas tranquilizadora.

Outra abstração de difícil percepção popular, pelo menos no Brasil de hoje, é a separação fundamental entre Estado, governo e partido político. Lula se comporta como alguém que, em oito anos de mandato, ainda não conseguiu se transformar em presidente. A sem-cerimônia com que o aparelho inteiro do Estado, sob a aguerrida onipresença do próprio Lula, se lança na campanha presidencial, filmada em autoespetáculo pela própria tevê estatal, sem sequer o pudor de uma licença do cargo, dá a impressão assustadora de uma arrogância triunfante e corrupta, vivendo a pura lógica de terra arrasada, como se o sucesso de seu governo não melhorasse o país, mas paradoxalmente o tornasse pior, vivendo o ressentimento e a volúpia de uma vingança contra um "inimigo" que, de fa­­to, jamais teve. Pelo contrário, durante oito anos Lula contou com o melhor Congresso que o dinheiro pode comprar, repetindo a velha piada.

Por um Fiat Elba, Collor virou farelo. Diante dos renitentes escândalos da Casa Civil, parece que o que está fazendo falta mesmo é um PT, que, como nos ve­­lhos tempos, não deixasse passar um fio de cabelo sem ligar o me­­gafone. Mas acho que isso já é pedir abstração demais.

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