Fui renovar minha carteira de motorista, ainda com a boa lembrança de cinco anos atrás, quando resolvi tudo em 20 minutos. Desta vez me avisaram que a coisa não seria tão fácil. Por via das dúvidas, cheguei ao posto da João Negrão às 7h30 da manhã, e em pânico alcancei a ponta da fila que dobrava a José Loureiro. Precavido, levei para ler um ótimo romance de 300 páginas, que me deixaria ocupado. Às oito, a fila começou a andar. Na entrada do prédio, uma Tia enérgica e simpática distribuía senhas fiquei com o número 170, e me juntei ao movimento dos sem-cadeira farejando aqui e ali atrás de um descanso para a coluna. Se fosse sábio, teria ido para casa e voltado às onze, mas, otimista e ansioso, imaginei que talvez houvesse uma desistência em bloco e por milagre o painel pulasse do 18 para o 170. A Tia ainda deu umas instruções que a massa ouviu atenta e obediente orientação aos que já haviam feito o curso na autoescola, o pessoal do "pagou-passou", e sobre os processos abertos via internet; um candidato chegou a fazer uma pergunta, e enfim restou só o tédio da espera.
Às 9h10, ocupei sorrateiro uma cadeira com rodinhas dando sopa em frente ao balcão das multas, e fui deslizando discreto para longe, a pequenos empurrões. A leitura avançou bem, até a senha 81, mas um guarda me descobriu e gentilmente tomou a cadeira de volta para atender o pessoal das multas. Prossegui em pé até às 10h20, quando um ex-aluno me viu e ofereceu seu lugar são as vantagens de professor antigo. Fiz os protestos de praxe ("Não, que é isso!"), mas aceitei agradecido, o que me garantiu mais umas 40 páginas de leitura tranquila. Às vezes erguia os olhos (112, 137...) e imaginava que, se os seis guichês vazios daquele filme cubista que todos assistiam quietos na platéia fossem preenchidos por outros seis funcionários, a coisa andaria mais rápido, mas era ilusão. Apenas entupiria de desocupados o segundo andar, à espera da fotografia, que só tem três cabines. Lá pelas onze e quinze, enfim brilhou o 170! A alegria durou pouco fui mandado quase que imediatamente com uma nova senha (134) para cima, onde li mais um bom trecho do livro, de novo sentado, em outra sala de espera, menor e mais acolhedora. Sente-se no ar um clima otimista, as pessoas sorriem, agora a coisa vai!
E foi 45 minutos depois me chamaram para a cabine, onde ofereci os dedos, como réu na delegacia. Em seguida, me fotografaram. Tentei sorrir, mas acho que não saí bem. Acabou? Não; é preciso agendar o exame de conhecimentos! Desta vez sem senha apenas uma nova fila, que não se mexia e foi aumentando. Por algum problema técnico, o meu nome, os dedos e a fotografia custavam a entrar no computador do agendamento, cinco metros adiante. Mas chegou minha vez. Marquei a data do exame assunto da próxima crônica e saí à rua às 12h40, o sol queimando os olhos.
Cristovão Tezza é escritor.
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