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Meu amigo Matozo quer abrir uma campanha em "defesa linguística" dos animais. "Veja", ponderou ele, "hoje em dia não dá mais pra amarrar buscapé em rabo de gato e se divertir como um idiota. Se pegam você fazendo isso, melhor não ter nascido". Fiz cara de horizonte – não convém provocar o Matozo. Envergonhado, lembrei que, quando criança, matava pardais com estilingue, ou "funda", como diziam na minha terra natal, mas preferi não contar. Ele adivinhou: "Antigamente você saía por aí matando passarinho e não acontecia nada. Era até motivo de orgulho". Continuei quieto, até que a moça depositou nossas xícaras de café no balcão. Pensei em perguntar o que ele tinha achado da Copa do Mundo, para mudar de assunto, mas ele foi mais rápido.

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"Tudo isso é ótimo, os tempos mudaram. Agora, há uma área em defesa dos animais que permanece impune: a linguagem."

"Como assim?"

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"Bem, todo mundo continua livre para ofender os animais como quiser. O espírito politicamente correto, que muda a realidade sem mudá-la, mantendo a aparência, que é a base da vida social, não chegou ao reino animal. Você chama alguém de burro, anta ou hiena, e não acontece nada. Você pode, por exemplo, dizer que Fulano come como um cavalo, e que Beltrano tem estômago de avestruz, e esses absurdos passam em branco. São expressões ofensivas – se, ao contrário, o avestruz e o cavalo comessem como um ser humano, não teriam sobrevivido como espécies. As comparações são todas preconceituosas. Agressões puras – mulher galinha, homem veado, sem o menor respeito pela opção sexual dos animais. Ouvimos essas grosserias o tempo todo: Fulano chorou lágrimas de crocodilo. Quer dizer, o sujeito é que é um falso, e o crocodilo – o tipo de ser de uma honestidade escancarada, ele abre a boca e você já sabe imediatamente do que se trata – leva a fama. Dia desses li que cinco deputados saíram de uma comissão, e alguém condenou: ‘Os ratos abandonam o navio’. Coitados dos ratos. Eles abandonam o navio que afunda porque são inteligentes, não porque são covardes."

Matozo tirou um papel do bolso.

"Vou propor uma lei de controle da linguagem referente a animais. Falar em rato, pense no gato – é sinônimo de ladrão e leva o nome até de pirataria de tevê a cabo. Quer ofender uma mulher? ‘Fulana é uma vaca.’ As vacas são os animais mais doces e úteis do planeta Terra. Enfim, não há maldade humana no mundo que não se esconda covardemente atrás de um pobre de um bicho indefeso. Confira as expressões: abraço de urso, parte do leão, papagaio de pirata, sutil como um elefante, sujo como um porco, amigo da onça, vida de cachorro, mulher tanajura – nem formiga escapa da covardia e do escárnio humanos. E agora os argentinos inventaram os tais ‘fundos abutres’. O que os coitados dos abutres têm a ver com agiotas? O que você acha do meu projeto?"

Quase disse "ideia de jerico", mas mordi a língua.

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