Muito se disse sobre o mistério de um país do futebol, como o Brasil, não produzir obras de ficção tendo o jogo como tema. Mas, bem postas as coisas, descobre-se que o futebol tem sido, sim, objeto literário entre nós. Na produção recente, bastaria citar os ótimos romances O drible, de Sérgio Rodrigues, e O segundo tempo, de Michel Laub, e a antologia de contos Entre as quatro linhas, com mais de uma dezena de escritores da nova geração com os quais este velho senhor que vos fala pegou uma carona legal. E, garimpando, certamente se encontram muito mais exemplos.
O futebol, tudo bem. E o xadrez? perguntaria um criador de caso. Este esporte maravilhoso que até Machado de Assis praticava (ele chegou a publicar problemas de xadrez nos jornais) não mereceria boas referências na literatura? Bem, há mesmo dúvidas se o xadrez seria, exatamente, um esporte e repito aqui a célebre provocação de João Saldanha: se xadrez fosse esporte, festa de São Jorge sairia na página de turfe. E, afinal, as Olimpíadas de Xadrez nunca se misturaram com a Olimpíada propriamente dita.
Mas, se o nobre esporte bretão nos deu Pelé, o xadrez nos deu Henrique Mecking, ou Mequinho, o que não é pouca coisa foi o que o Brasil produziu de mais próximo de um campeão mundial na chamada "arte de Caíssa". Em plena Guerra Fria, nos anos 1970, o mirrado Mequinho, que via a si mesmo como um solitário cruzado do Ocidente cristão, quase botou a correr os poderosos "ateus soviéticos", então donos mundiais do esporte, e que trabalhavam em equipe mas parou duas vezes no terceiro lugar. É verdade que sem perder por 7 a 1 eram competições extenuantes em que se ganhava por uma cabeça. E o xadrez chegou à literatura brasileira: Variante Gotemburgo, de Esdras do Nascimento, publicado em 1977, é um romance-tese no melhor espírito teórico do tempo o xadrez seria o espelho para "recriar a vida mediante a utilização de palavras articuladas num sistema".
Na literatura mundial, lembro de A torre ferida por um raio, de Fernando Arrabal, e de A defesa Lujin, uma obra-prima de Nabokov.
O engraçado é que a literatura tem sido cruel com os enxadristas, talvez por vingança mesquinha dos escritores, eternos patos no tabuleiro. Contrariando a lenda segundo a qual o xadrez seria o esporte da inteligência, para os escritores ele é apenas fábrica de loucos todos acabam esquizofrênicos na pura abstração do jogo, em que o gol, como diria Parreira, fazendo um breve paralelo, é apenas o detalhe. O que acabo de confirmar na saborosa novela Xadrez, de Stefan Zweig. Não dá outra a bordo de um transatlântico, um assombroso campeão mundial, mas de inteligência limitada em qualquer outra atividade, enfrenta um maluco que, mantido preso e incomunicável pela Gestapo, aprendera xadrez de cabeça. Sem dúvida, a literatura é um esporte eletrizante.
Dê sua opinião
O que você achou da coluna de hoje? Deixe seu comentário e participe do debate.
Deixe sua opinião