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Cristovão Tezza

Futebol, xadrez e literatura

Muito se disse sobre o mistério de um país do futebol, como o Brasil, não produzir obras de ficção tendo o jogo como tema. Mas, bem postas as coisas, descobre-se que o futebol tem sido, sim, objeto literário entre nós. Na produção recente, bastaria citar os ótimos romances O drible, de Sérgio Rodrigues, e O segundo tempo, de Michel Laub, e a antologia de contos Entre as quatro linhas, com mais de uma dezena de escritores da nova geração – com os quais este velho senhor que vos fala pegou uma carona legal. E, garimpando, certamente se encontram muito mais exemplos.

O futebol, tudo bem. E o xadrez? – perguntaria um criador de caso. Este esporte maravilhoso que até Machado de Assis praticava (ele chegou a publicar problemas de xadrez nos jornais) não mereceria boas referências na literatura? Bem, há mesmo dúvidas se o xadrez seria, exatamente, um esporte – e repito aqui a célebre provocação de João Saldanha: se xadrez fosse esporte, festa de São Jorge sairia na página de turfe. E, afinal, as Olimpíadas de Xadrez nunca se misturaram com a Olimpíada propriamente dita.

Mas, se o nobre esporte bretão nos deu Pelé, o xadrez nos deu Henrique Mecking, ou Mequinho, o que não é pouca coisa – foi o que o Brasil produziu de mais próximo de um campeão mundial na chamada "arte de Caíssa". Em plena Guerra Fria, nos anos 1970, o mirrado Mequinho, que via a si mesmo como um solitário cruzado do Ocidente cristão, quase botou a correr os poderosos "ateus soviéticos", então donos mundiais do esporte, e que trabalhavam em equipe – mas parou duas vezes no terceiro lugar. É verdade que sem perder por 7 a 1 – eram competições extenuantes em que se ganhava por uma cabeça. E o xadrez chegou à literatura brasileira: Variante Gotemburgo, de Esdras do Nascimento, publicado em 1977, é um romance-tese no melhor espírito teórico do tempo – o xadrez seria o espelho para "recriar a vida mediante a utilização de palavras articuladas num sistema".

Na literatura mundial, lembro de A torre ferida por um raio, de Fernando Arrabal, e de A defesa Lujin, uma obra-prima de Nabokov.

O engraçado é que a literatura tem sido cruel com os enxadristas, talvez por vingança mesquinha dos escritores, eternos patos no tabuleiro. Contrariando a lenda segundo a qual o xadrez seria o esporte da inteligência, para os escritores ele é apenas fábrica de loucos – todos acabam esquizofrênicos na pura abstração do jogo, em que o gol, como diria Parreira, fazendo um breve paralelo, é apenas o detalhe. O que acabo de confirmar na saborosa novela Xadrez, de Stefan Zweig. Não dá outra – a bordo de um transatlântico, um assombroso campeão mundial, mas de inteligência limitada em qualquer outra atividade, enfrenta um maluco que, mantido preso e incomunicável pela Gestapo, aprendera xadrez de cabeça. Sem dúvida, a literatura é um esporte eletrizante.

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