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Andei matutando sobre a dura vida de juiz. E me refiro aos dois tipos – os chamados árbitros que costumam sofrer nas quatro linhas do gramado, em 90 minutos esmagadores para jo­­gador, técnico, torcedor e o pró­­prio juiz (com sua pobre mãe), e aqueles outros, vestidos de preto, lá da Corte Suprema, que também têm sido bastante xingados.

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Vamos começar pelos primeiros, que para o dia a dia são mais importantes. Todo mundo sabe o quanto eles andam em baixa. Desde que o gol do Obina foi anulado e o presidente do Palmeiras incitou seu linchamento, não há outro assunto na crônica esportiva: como está ruim a arbitragem, uma vergonha nacional, e por aí vai. Mas não recordo de ne­­nhum tempo em que a arbitragem de futebol estivesse em alta. Nunca li manchetes do tipo "Ár­­bitro salva espetáculo", "Apito ga­­rante resultado honesto", "Dez jogos sem nenhum erro de arbitragem". Jamais. Só num divertido romance de Vargas Llosa, Tia Júlia e o escrevinhador, encontramos um juiz perfeito. Na vida real, os únicos árbitros realmente bons e infalíveis parece que foram empalhados, retirados de campo e hoje atuam como co­­mentaristas da rede Globo. A sensação eterna que temos é que o futebol anda ruim porque os juízes é que são pernas de pau.

O que não podemos esquecer é que o futebol é o único esporte em que, de fato, o erro é parte pre­­vista do espetáculo, já que em vários momentos é fisicamente impossível se dar conta, em décimos de segundo, do que aconteceu. Marcar um impedimento, por exemplo, exige estrabismo divergente – um olho lá e outro aqui ao mesmo tempo, além de um terceiro olho que confira a linha. Como a porcentagem de bom senso e honestidade se distribui, por princípio estatístico, igualmente para todo mundo, não acho que haja mais ladrões ou incompetentes entre os árbitros do que em qualquer outra atividade profissional, dos médicos aos garis.

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Já os árbitros do Supremo Tri­­bunal Federal devem estar padecendo de outros males, pois têm tempo de sobra para decidir. Ima­­gino que seja tão difícil en­­trar no STF quanto ser indicado para o quadro da Fifa, mas tudo indica que eles também não es­­tão correspondendo. Não entendo de leis, mas conheço teatro, e daí vem minha hipótese. A transmissão televisiva dos debates do Supremo, transformando-o num auditório de Silvio Santos, está fazendo mal ao país. O argumento segundo o qual isso dá "transparência" ao STF é ridículo, ou mesmo ofensivo. Ministros do Supremo não são atores ou deputados. Para quem não é do ramo, câmeras e microfones são mortais. Juízes são leitores hu­­manistas de fatos e leis e representam, discretos, a essência da cultura política do Ocidente. Transformá-los em personagens de Orkuts e YouTubes está tornando o Supremo um circo constrangedor. Não sei se uma boa dose de pudor e introspecção me­­lhoraria os vereditos. Mas pe­­lo menos pouparia os cidadãos de partilhar esses sucessivos vexames públicos.

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