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Lembro de uma cena do escritor austríaco Thomas Bernhard (no romance O sobrinho de Wittgenstein), em que o personagem – sempre o próprio autor – saía de um lugar por não aguentá-lo mais, e em poucas horas, no novo local, já ansiava por voltar ao lugar de onde tinha vindo, ou ir para um outro qualquer, porque parecia haver uma incompatibilidade radical e permanente entre ele e o chão que pisava, qualquer que fosse. Sua vida era um ir e vir desesperado, na esperança vã de alguma paz em algum espaço, mesmo sabendo, por princípio, que isso era uma tarefa impossível.

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Sem viver nem de longe tal espírito da tragédia, exceto como hipótese literária, sinto coisa semelhante em minha ronda nos hotéis, vítima que sou da vida de escritor errante. Chegar a uma cidade desconhecida – Votuporanga, em São Paulo, por exemplo, ou Souzhou, na China – e avançar para um hotel desconhecido é algo que perdeu para mim o estimulante espírito juvenil de aventura e de novidade, que durante décadas me levou para frente. Havia sempre a sensação de que alguma coisa realmente nova iria acontecer, e quando tudo se revela, enfim, igual a tudo, conforme já disseram as Escrituras todas, despontava outra viagem, outro hotel e outra paisagem, de modo a reabastecer o entusiasmo fugaz. Emocionalmente primário, nunca deixei o peso óbvio da experiência vivida condicionar o momento seguinte, embora este sempre acabasse por confirmar aquilo de que secretamente eu desconfiava.

Assim, o desejo de novidade foi insidiosamente se transformando no seu contrário, a busca do igual de sempre, o sonho de uma réplica paranoica do meu próprio aquário, onde eu me sentisse, hoje, confortável como ontem, mas também esta procura tem sido inútil. Nem mesmo a luz de cabeceira – se alguma vez algum hotel tiver a ideia de uma luz de cabeceira minimamente funcional, ou pelo botão acessível, ou pela luz razoável – será encontrada. E uma boa tomada! Meu reino por uma tomada!

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Mudando de assunto – não sei bem por que juntei um antigo projeto de crônica com este adeus ao leitor –, estou me despedindo agora da minha vida de cronista. Foi muito bom enquanto durou, mas sinto que é hora de, enfim, me concentrar apenas nos prazeres da ficção, o de leitor e o de escritor. Foram 335 semanas contadinhas de convivência na página 3, que a Gazeta temerariamente cedeu a este escriba. Está de bom tamanho – uma boa experiência, essa de escrever em voz alta. Meu mérito, se houve algum, foi jamais extrapolar a faixa entre 2,8 mil e 2,9 mil toques digitados, título incluído, uma tarefa de revisão, acréscimos e cortes que me divertia toda semana como a um sonetista parnasiano. A coluna deve muito ao traço do Benett, que tantas vezes salvou o texto com sua arte precisa. E agradeço a paciência e a generosidade dos meus 11 fiéis leitores, informando que agora prossigo em voz baixa, nos livros, como sempre.

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