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Vi A grande beleza, o filme italiano dirigido por Paolo Sorrentino que ganhou o Oscar de melhor filme estrangeiro. É um trabalho visualmente transbordante, de uma beleza a um tempo milimétrica e avassaladora, fazendo jus à pretensão do título. Como a fotografia sempre me fascina, ao assistir filmes às vezes corro o risco de me distrair do resto – a trama, os personagens, a tensão narrativa – e me concentrar no equilíbrio de formas que se movem, que são sempre inspiradoras. E, ao contrário da literatura, que me absorve integralmente na leitura, o cinema para mim permite uma margem de devaneio paralelo, criando um comentarista secreto que assiste a quem assiste ao filme – ou seja, eu mesmo. Fico buscando alguma coisa parecida com um "eixo de valor", o ponto de vista que dá sentido ao conjunto; em suma, tenho fascínio pelas formas, mas sua apreensão hedonista não me basta.

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A simplicidade anedótica da história é o segredo da liberdade do filme – um pouco mais complexa que fosse a trama e o diretor não poderia sair por aí filmando o que lhe desse na telha e no gosto. Que é, afinal, exatamente o que ele faz, com um prazer maravilhoso – e filmar a beleza de Roma chega a ser covardia. Para quem não viu, o filme narra uma sequência de reflexões do escritor de um livro só Jep Gambardella (Toni Servillo é o ator, que achei perfeito) a partir de seu 65º aniversário, enquanto ele desfila em festas tediosas, pessoas exóticas e desinteressantes, intelectuais postiços, velhas dançarinas simpáticas, um pai cafetão, um político corrupto, um cardeal chatíssimo que já foi exorcista, uma santa horrorosa com um assessor gosmento, uma editora anã, um maravilhoso coral religioso. O tom é de uma crítica bem-humorada, começando com um clichê – o turista japonês que desmaia tirando fotos –, às vezes um cinismo com toques afetivos que vai encontrando lugar aqui e ali na força acachapante da fotografia, que nos leva adiante. Tivesse o filme 3 horas e eu iria até o fim (tem 2 horas e 20 minutos).

Um fantasma, entretanto, não sai do filme, sob o manto da homenagem, o que permite comparar duas culturas: Fellini. A observação poética, onírica e desamarrada de um mundo substancialmente bom, engraçado e otimista da obra de Fellini, que marcou minha geração, aqui está trabalhando sobre outra Itália, a de Berlusconi, o triunfo final da vulgaridade, do narcisismo, da aparência sem fundo, como figurinhas falsificadas, decalcadas e coladas sobre os murais da história de Roma. O filme corteja perigosamente o sentimentalismo raso, mas a alma de Fellini chega até a colocar uma girafa em cena para proteger a obra de seu próprio limite. Apenas o lugar comum da última sequência, a voz em off explicando-nos, com a sabedoria de um ímã de geladeira, que "a vida é ilusão", entrega-se ao kitsch. É um filme que, quanto menos diz em voz alta, mais conta em silêncio.

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