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Cristovão Tezza

O pessimista acidental

Sou daqueles otimistas genéticos, para quem, mesmo à maior desgraça, o copo está sempre meio cheio, quando todo mundo está careca de saber que está meio vazio. Questão de temperamento, mais que de razão. Ultimamente, entretanto, tomado de algum sopro de melancolia da idade madura, ando com uma perigosa tendência a ver defeito em tudo. Não vou falar de governo, em que vemos o que queremos, e todos são historicamente mais ou menos a mesma – às vezes mais, às vezes menos – coisa. Mas dois fatos sociais da realidade brasileira assustam.

O primeiro deles é a taxa de homicídios. Prefiro não me referir à violência simplesmente, que lembraria algum gene inexorável da natureza humana (digamos, "dos outros"). De modo objetivo, fiquemos com a taxa de homicídios. Do que sabemos com certeza (e sabemos muito pouco no país da informalidade), os brasileiros estão matando 50 mil pessoas por ano, esses anotados um a um. Em termos absolutos, é a maior taxa do mundo; proporcionalmente, chega perto disso, e só perde para Estados muito mais desestruturados e menos complexos que o nosso, como Venezuela, Burundi e Honduras, o que torna ridícula, senão mais vergonhosa, qualquer comparação. Nem de longe países renitentemente afogados no terror ou em guerras civis político-etno-religiosas matam como aqui.

Por que o brasileiro se tornou um povo homicida? Ou sempre foi e não sabíamos? As cenas explícitas de tentativa de assassinato na arquibancada de Joinville se fundem com as cabeças decepadas das prisões do Maranhão e com a fria estatística dos mortos dos fins de semana da Grande Curitiba, mais os presuntos desovados em toda parte em berço esplêndido, e ainda os fuzilados no assalto da esquina, e mais o jogo de polícia e ladrão com papéis trocados, e daí por diante, numa máquina registradora de cadáveres que não para de apitar – uma locomotiva macabra.

Não sei. Não há uma só resposta. Mas vai aqui outra fonte de pessimismo, que talvez seja uma das mil respostas possíveis. O padrão do ensino médio brasileiro é um desastre monumental, a partir também de números frios, preto no branco: apenas 28% da população adulta brasileira tem ensino médio completo (na Alemanha, são 90%, só para o leitor ter alguma referência). Mais: segundo dados de 2010, apenas a metade dos matriculados no ensino médio conclui o curso. Mais ainda: só a metade dos jovens de 15 a 17 anos que estão na escola estão de fato no ensino médio; os outros se arrastam ainda no fundamental. São milhões de jovens aos quais, todos os anos, o acesso elementar à civilização é barrado. O que não fazia diferença no velho Brasil rural do cigarro de palha e da casinha de sapê, de estamentos para sempre imutáveis, no Brasil urbano, mutante e global de hoje tornou-se uma bomba cultural e social muito difícil de ser desarmada.

Batendo aqui e ali em surtos eleitoreiros, a ficha está custando a cair.

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