Confesso: também eu fui vítima do sonho de virar um gourmet caseiro aquele chato que de vez em quando vai à cozinha abrir as tampas das panelas para conferir o que vai comer no almoço e de repente acha que não deve ser tão difícil assim arregaçar as mangas, colocar um avental e ele mesmo pôr mãos à obra. Claro que há diferenças operacionais diferentes, entre a mulherada (perdão: vão dizer que é sexismo do cronista) corrigindo: entre quem literalmente carrega o feijão com arroz nas costas todos os dias e o curioso que, só porque ganhou de presente uma tábua e um garfo de churrasco, já acha que está em condições de botar a barriga no fogão.
É uma coisa meio exibicionista. Em geral ele começa avisando todo mundo que vai fazer uma feijoada, um peixe de forno, uma receita que recortou na revista e que parecia fácil, e põe a família em pânico já às sete da manhã de um sábado que prometia ser tão tranquilo, o céu azul, bom de passear. As coisas passam a dar errado nos detalhes mínimos, e mortais o alho que queimou na frigideira por um minuto de distração, o sal que se esqueceu de colocar no arroz, o bife que era pra ficar grelhado como nas fotos e faz três dedos de água, a profusão de temperos em luta que resultam num sabor esquisito nunca antes experimentado, a batata que passou do ponto e vira um purê imprevisto, ou o contrário, o miolo crocante e cru nos dentes e por aí vai.
Melhor começar pela teoria, vício de professor foi o que eu fiz. Recebi um folder maravilhoso, que desdobrei feliz, prometendo 30 volumes de receitas um verdadeiro projeto de vida. Encomendei a enciclopédia de cozinha e reservei um espaço nobre da estante para colocar os volumes do meu curso autodidata. Até ensaiei o que dizer às visitas, com um ar superior: "Estou me dedicando à literatura culinária". Fui me sentindo um Ph.D. o tempo todo pulando das páginas dos livros para a internet, para descobrir de que modo se chegava àquelas fotografias suculentas.
Mas, como todo mundo sabe, não existe almoço grátis. E o caminho da sabedoria não tem atalho. Lá fui eu descobrir que diabo é arroz-selvagem. Um salmão a vapor exigia um buquê de dill. "Dill?" Uma bela sopa de polenta só dava certo com queijo mascarpone. Camarões imperiais pedem três gotas de angostura, palavra que me pareceu efeito colateral de remédio contra a depressão. Para uma receita de mexilhões, não esquecer 1,2 litro de fumet de peixe e 100 g de mirepoix. A pimenta-caiena era indispensável. E os "modos de fazer" são quebra-cabeças insolúveis. O aprendiz desanimou.
Tomei uma decisão libertadora: começar realmente do começo. Diante do fogão, me senti um samurai: uma frigideira, um ovo, uma pitada de sal. Se eu conseguir fritar um ovo, terei futuro na área. Respingou óleo ao virar, mas até que ficou razoável. Sempre fui otimista.
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