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Cristovão Tezza

O samurai de fogão

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Confesso: também eu fui vítima do sonho de virar um gourmet caseiro – aquele chato que de vez em quando vai à cozinha abrir as tampas das panelas para conferir o que vai comer no almoço e de repente acha que não deve ser tão difícil assim arregaçar as man­­gas, colocar um avental e ele mesmo pôr mãos à obra. Claro que há diferenças operacionais diferentes, entre a mulherada (perdão: vão dizer que é sexismo do cronista) – corrigindo: entre quem literalmente carrega o feijão com arroz nas costas todos os dias e o curioso que, só porque ganhou de presente uma tábua e um garfo de churrasco, já acha que está em condições de botar a barriga no fogão.

É uma coisa meio exibicionista. Em geral ele começa avisando todo mundo que vai fazer uma feijoada, um peixe de forno, uma receita que recortou na revista e que parecia fácil, e põe a família em pânico já às sete da manhã de um sábado que prometia ser tão tranquilo, o céu azul, bom de passear. As coisas passam a dar errado nos detalhes mí­­nimos, e mortais – o alho que queimou na frigideira por um minuto de distração, o sal que se esqueceu de colocar no arroz, o bife que era pra ficar grelhado como nas fotos e faz três dedos de água, a profusão de temperos em luta que resultam num sabor esquisito nunca antes experimentado, a batata que passou do ponto e vira um purê imprevisto, ou o contrário, o miolo crocante e cru nos dentes – e por aí vai.

Melhor começar pela teoria, vício de professor – foi o que eu fiz. Recebi um folder maravilhoso, que desdobrei feliz, prometendo 30 volumes de receitas – um verdadeiro projeto de vida. Enco­­mendei a enciclopédia de cozinha e reservei um espaço no­­bre da estante para colocar os volumes do meu curso autodidata. Até ensaiei o que dizer às visitas, com um ar su­­perior: "Estou me dedicando à literatura culinária". Fui me sentindo um Ph.D. – o tempo todo pu­­lando das páginas dos livros para a internet, para descobrir de que modo se chegava àquelas fotografias suculentas.

Mas, como todo mundo sabe, não existe almoço grátis. E o ca­­minho da sabedoria não tem atalho. Lá fui eu descobrir que diabo é arroz-selvagem. Um salmão a vapor exigia um buquê de dill. "Dill?" Uma bela sopa de polenta só dava certo com queijo mascarpone. Camarões imperiais pe­­dem três gotas de angostura, pa­­lavra que me pareceu efeito colateral de remédio contra a de­­pres­­são. Para uma receita de me­­xi­­lhões, não esquecer 1,2 li­­tro de fu­­met de peixe e 100 g de mirepoix. A pimenta-caiena era in­­dis­­­­­­pensável. E os "modos de fa­­zer" são quebra-cabeças insolúveis. O aprendiz desanimou.

Tomei uma decisão libertadora: começar realmente do começo. Diante do fogão, me senti um samurai: uma frigideira, um ovo, uma pitada de sal. Se eu conseguir fritar um ovo, terei futuro na área. Respingou óleo ao virar, mas até que ficou razoável. Sem­­pre fui otimista.

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