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 | Gilberto Yamamoto
| Foto: Gilberto Yamamoto

A virada do século 19 para o século 20 foi pródiga de teorias supostamente científicas para explicar essências humanas a partir da raça e de geografia. Algumas delas tiveram consequências sinistras, como a ideia da superioridade racial ariana, um delírio que custou os milhões de mortos da Segunda Grande Guerra. Em versões tupiniquins, tentava-se explicar o atraso brasileiro pelos males da mestiçagem, assim como, mais tarde, Gilberto Freyre inverteu a equação dizendo que o que tínhamos de bom era justamente a mistura, uma teoria bem mais simpática, mesmo que também haja mais literatura que ciência nela.

Outra família de teorias tem substância climática: tentava-se explicar o homem pelo clima em que vive. Populações de regiões frias e temperadas – de onde, naturalmente, vieram os cientistas que inventaram a teoria – seriam naturalmente mais metódicos, trabalhadores, inteligentes e produtivos que essa vagabundagem, perdão, que os habitantes de regiões quentes, naturalmente preguiçosos, indolentes, matadores de serviço, pilantras e beberrões, como qualquer propaganda de cerveja pode comprovar, todo aquele povo sem roupa, na praia, rindo e fazendo nada o dia inteiro. Também não há ciência alguma aí, mas essas teorias de boteco costumam fazer sucesso, no calor ou no frio.

Bem, sem nenhuma ambição científica – nem sou mais professor universitário – vou esboçar aqui minha teoria pessoal para o clima frio que, se não explica o comportamento humano pelo termômetro da parede, pelo menos explica o meu comportamento nesses dias em que Curitiba se transformou numa terrível sucursal do Alasca. Ao contrário do que a lenda diz, cantando as vantagens do inverno na têmpera das pessoas, para mim o frio exerce uma influência maléfica, no corpo e na alma. Quanto mais baixa a temperatura, pior eu fico. Não é só uma questão médica, os efeitos inevitáveis de velheira, os neorreumatismos, as escoriações e o ressecamento da pele, as inexplicáveis alergias, a dor de ossos, a lentidão paquidérmica dos gestos, o desajeito enferrujado. É uma questão moral mesmo – eu me torno uma pessoa pior, agressiva, um ser irritadiço e impaciente, o cérebro obtuso, um bicho desconfiado e traiçoeiro, lento nas conclusões e rápido nos ataques. Incapaz de me mover, travado por uma sucessão de ideias pela metade que se congelam no ar antes de nascerem, vejo-me vítima de uma preguiça densa e hibernante, uma indolência que me fulmina, um sono sem prazer. O frio revela o monstro que eu tento esconder no calor.

Talvez seja uma teoria mais científica do que parece. Nesta nova história do mundo, os abomináveis habitantes do gelo, animalizados pelo frio, teriam saído de seus iglus para colonizar o mundo inocente e tropical com seu pacote de maldades, sua inveja da rede e da água de coco, sua cartilha de pecados e seu implacável espírito de punição.

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