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Os europeus têm uma imagem positiva e otimista do Brasil – antes mesmo do descobrimento já se reservava para esse lado do mundo uma terra de promissão, um paraíso terrestre, um Eldoraldo que ao longo do tempo se consolidou em uma das mais renitentes mitologias da nossa história. Fala-se do Brasil e imediatamente o estrangeiro sorri – é impossível não gostar do nosso país. Neste panorama idílico, o Brasil são mulheres sensuais, futebolistas de gênio, bom-humor contagiante, união das raças – e os olhos se arregalam.

São imagens que de certa forma consubstanciam um desejo profundo de que sejamos assim mesmo – como se o domínio racionalista, tecnológico e pragmático da cultura ocidental precisasse, para respirar, da ideia de um paraíso alternativo e libertário, puro e natural, que vem encontrando no Brasil, durante séculos, a sua imagem exata. Somos "pitorescos". E eles riem, felizes.

Nós também. No século 19, dom Pedro II andava em caravana pelo mundo inteiro no papel de sábio imperador, exportando a imagem do Brasil – entre lendas e fatos, teria conversado com Victor Hugo na França, falado pela primeira vez ao telefone com Graham Bell, nos EUA, além de outras fascinantes aventuras. O que tínhamos orgulhosamente para mostrar? Índios. Na fantasia do Império, o índio era a nossa figura épica, fundadora da Nação brasileira. Por baixo do tapete real, escondia-se o horror da encarquilhada mas lucrativa escravidão brasileira que carregava o país nas costas – um sistema econômico sinistro que nos proporcionou um século de atraso em tudo.

A verdade é que jamais fomos respeitados. Somos admirados pelas razões erradas, por conta da fantasia e não da realidade concreta. Mas há um Brasil profundo que se respeita quase sempre à revelia de tudo que é oficial, como o trabalho maravilhoso de Zilda Arns reduzindo drasticamente a mortalidade infantil; o serviço discreto e pacificador das tropas brasileiras antes e depois da tragédia Haiti; a solidariedade nos desastres do clima, como se de tempos em tempos a melhor matéria-prima brasileira viesse à tona para mostrar que existe.

O desejo de merecer o respeito externo, porém, deveria começar com a nossa própria autoestima, que só se sustenta à custa de mitos. Preferimos começar pelo fim, pelos discursos na ONU, pelos águias de Haia. Quando se vai ao osso, o Brasil dói. Um único exemplo: o IBGE informa que 11,5% das crianças de 8 e 9 anos são analfabetas – entre os adultos, a média é 10%. Isto é, estamos piorando. O maior índice de crianças analfabetas encontra-se no Maranhão: 38%. Como o senador José Sarney, que manda naquele estado há décadas e já foi até presidente da República, é um homem honrado, a culpa dessa perpétua bomba-relógio cultural deve ser – não sei, do "imperialismo americano", talvez? Somos mesmo um país pitoresco.

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