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Pois aconteceu num dia em que eu estava particularmente melancólico, como às vezes nos ocorre, e saí para andar à toa pela cidade. Uma tarde agradável, o frio leve, o céu azul, o sol suave. Pensei vagamente em ver um filme, só para vencer o velho sentimento de culpa de que não se deve frequentar cinemas num dia de semana, à tarde, como se fôssemos vagabundos matando serviço, quando eu poderia estar fazendo alguma coisa útil da minha vida. Filmes são úteis, enfim, me convenci, em defesa própria. Vemos tantos filmes que às vezes parece que assistimos à vida em vez de vivê-la, mas esse chavão também é punitivo. Atravessando a Santos Andrade, lembrei que a Universidade pretende revitalizar o velho prédio das colunas, que frequentei faz tempo, por mais de dez anos, talvez os mais felizes da minha antiga vida de professor. Será mesmo ótimo integrar aquele prédio à vida cultural da cidade, ainda mais agora – e eu já estava cruzando a clássica e bonita Riachuelo –, quando aquele trecho da cidade está sendo revitalizado. E ouvi falar (outra boa notícia) que os velhos cines Luz e Ritz vão ressurgir das cinzas no velho quartel, na esquina da Carlos Cavalcanti, onde há mais de quatro décadas fui buscar meu certificado de alistamento, em plena ditadura. Lembro da sensação de adolescente: eles eram o inimigo.

Passei pela Praça 19 de dezembro, com a mulher nua já há anos resgatada ao público (criança, fiz uma expedição para vê-la escondida atrás do Palácio do Governo, numa bizarra experiência erótica, como numa imagem de Fellini), e enfim desembarquei nas ventosas do shopping, que é o espaço para onde Curitiba vai sendo lentamente sugada em todos os bairros. Comprei ingresso de Meia-noite em Paris, de Woody Allen, e foi uma escolha feliz. Ainda lembrei que as poltronas quase verticais dos buracos refrigerados e barulhentos em que os cinemas se transformaram, com suas pipocas gigantes e celulares onipresentes, parecem a plateia do velho Arlequim, na Cândido Lopes.

No começo, rabugento, impliquei com a literatura turística daquelas figuras de almanaque, até sintonizar a faísca atrasada e entrar no espírito tranquilo da fantasia. Um filme delicioso e sem arestas, saborosamente infantil, povoado de crianças adultas. Woody Allen, encarnado e rejuvenescido na figura do candidato a escritor Gil Pender, é um Peter Pan do cinema. Há algo de Carlitos em seu jeito ingênuo e bem-intencionado, os atrapalhos gaguejantes de alguém puro demais para as agruras do mundo. Tudo tem graça e leveza – não é história que se conta, enfim irrelevante e comum, mas o clima que se vive, transportando-nos a um sonho divertido e sem susto. Exatamente o que eu estava precisando, suspirei ao sair, já com saudade do filme. Na rua, senti a brisa da rua, um pouco mais fria agora.

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