Dos governadores paranaenses mais viajados, fascinante turista era Bento Munhoz da Rocha Netto. Com sua bagagem intelectual, viajava pela história, literatura, filosofia, sociologia, antropologia e geografia sem sair do vasto mundo de sua biblioteca. Bento era um líder globalizado pelo espírito, não precisava passar uma semana em Nova York para se mostrar cosmopolita.

CARREGANDO :)

Reverso do arrogante, o ex-governador tinha convicção intelectual de que a mais pura sabedoria escuta e respeita as diferenças. Isso sem pregar que vivemos num mundo diferente dos outros: “Achamos que as nossas coisas, pelo fato mesmo de serem nossas, são essencialmente diferentes das demais” – escreveu Bento Munhoz da Rocha Netto, ao contar a história da nascente de João da Silva: “João da Silva é um desses personagens que a gente se habitua a ver emoldurado por um determinado ambiente, fixado no seu meio, como parte integrante dele, cercado de sua prole numerosa, pela sua criação, montado no seu zaino marchador, o rosto corado pelo vento das geadas. Um dos orgulhos de João da Silva era a nascente que tanto lhe valorizava a propriedade, nascente que João da Silva amava como um régio presente da natureza e sabia proteger, seguramente, proibindo, em torno, a derrubada do mato. Pois foi numa das nossas excursões à nascente que eu lhe disse ser toda a água constituída essencialmente por dois gases, o hidrogênio e o oxigênio”.

Para o João da Silva, a teoria não se aplicava à água cabocla e livre daqueles pagos, sem outras qualidades além da sua cristalinidade e gostosura

Publicidade

João da Silva não concordou: “Podia ser que, nos laboratórios das cidades, a água fosse aquilo, mas a da sua nascente, cristalina e gostosa, a da sua nascente que não secava nas estiagens mais longas e dessedentava a gente da redondeza, acorrendo pelos atalhos com baldes improvisados, era água, mesmo”.

Isso de composição constituída por dois gases era coisa de cidade grande. Para o João da Silva, a teoria não se aplicava à água cabocla e livre daqueles pagos, sem outras qualidades além da sua cristalinidade e gostosura.

Bento, em vão, insistia sobre o “núcleo comum do elemento aquoso”. Era o confronto entre o intelectual e o homem vivo e vivido: “João da Silva, sereno, macio, paciente, replicava que assim podia ser na Europa, onde a vida era apertada, onde o homem havia vencido a natureza, onde cada árvore tinha nome e os terrenos se mediam por metros”. Bento Munhoz da Rocha Netto não convenceu João da Silva: “Mas desconfio que plantei, no seu subconsciente, uma semente do conhecimento relativo ao elemento essencial e comum das águas”.

Meio século depois, onde estará agora o João da Silva? Talvez tenham enterrado o seu coração numa curva do Iguaçu. Se estiver vivinho da silva, o que ele deve estar pensando da conta de luz? O que antes o caboclo tinha límpida e de graça na sua nascente, hoje nos cobram os olhos da cara pelo hidrogênio e oxigênio transformados em eletricidade.

Publicidade