Na história do Brasil, a palavra tem origem no Paraná. No dicionário, alacranado diz-se de um animal (ou pessoa) cheio de feridas ou chagas. Na língua espanhola, de onde possivelmente a expressão pulou a fronteira, o alacranado “ha sido picado por un alacrán, la tarantula. Persona inficionada de algún vicio, peste o enfermedad”.
Visconde de Taunay, presidente da Província do Paraná de 1885 a 1886, descreveu uma viagem de Curitiba a Palmeira numa caleça puxada por quatro magros cavalos. Em direção a Campo Largo, visitou o engenho de beneficiar mate de Ildefonso Pereira Correia, mais tarde Barão do Serro Azul, e, quase defronte, se deliciou com o “estabelecimento de preparar carnes frias, de um inglês chamado Whiters; por sinal que fazia línguas excelentes”. Dali, alcançou os Campos Gerais: “Um tapete verde sobre uma grande mesa de pedra, disse-me d. Pedro II”. E em São Luiz do Purunã, a nova freguesia de quase 30 casas, onde “a altitude geral e os ventos quase constantes impedem o desenvolvimento de moléstias endêmicas e febres intermitentes”, se acomodou na hospedaria do francês Boutin, que “nada quis aceitar pela farta hospitalidade”.
No dicionário, alacranado é um animal (ou pessoa) cheio de feridas ou chagas
Do ponto de origem do Rio Assungui, foi conhecer o Rio dos Papagaios: “Que encanto especial o seu?” Enfim, na “graciosa Palmeira”, o presidente da província foi recebido pelo capitão Steckler e admirou “finíssimas miniaturas, representando paisagens e pessoas da família feitas por um alemão chamado Virmond (...). Tão notáveis são aquelas produções que fiz ver a conveniência de enviá-las a Curitiba, onde figurariam com honra no Museu Paranaense”.
Alfred d’Escragnolle Taunay (1843-1899), engenheiro militar, professor, político, historiador, sociólogo, romancista e memorialista, nasceu e morreu no Rio de Janeiro. Foi um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras, criador da cadeira n.º 3. Nas suas andanças pelo Paraná, ouvindo histórias, causos e proezas de caça, Taunay tomava nota de tudo: “E como de tudo quanto cerca o homem observador pode ele tirar motivos de instrução e interesse, não raro achava eu graça em estar ouvindo aquelas histórias e façanhas, adubadas de termos pitorescos e para mim completamente novos. Assim tomei nota de alguns vocábulos que foram enriquecer o curioso e importante dicionário da língua brasileira popular, que meu primo Henrique de Beaurepaire Rohan então preparava, pondo nesse trabalho, que conta mais de seis mil termos, o maior escrúpulo e consciência na indagação e análise das etimologias. Foi numa dessas ocasiões, que ouvi pela primeira vez a palavra ‘alacranar’, que suponho ser própria do Paraná, pois não me lembro tê-la ouvido empregar em outra qualquer zona do país. Achei-a muito expressiva. Diz-se de um homem que ficou ferido e mutilado depois da luta com alguma onça, naqueles terríveis momentos em que, falhando o tiro mortal, tem o audaz caçador de arcar braço a braço com o animal levado aos últimos extremos da raiva e do desespero”.
“Por ampliação, às vezes elegantíssima, empregam o termo com mais latitude e o apropriam a muitos casos da vida comum. Assim ouvi dizer: ‘A sorte alacranou-os deveras’, em referência a uma pessoa que fora acabrunhada por sucessivas desgraças.”
Daqui do Paraná, podemos afirmar que o brasileiro é um alacranado. Para usar as próprias palavras do Visconde de Taunay, “está prostrado por terra, mal ferido, com os músculos dilacerados, as veias abertas, exausto de forças, quase perdido o último alento, após ingentes combates sem auxílio, sem socorro possível no fundo dos bosques, no meio da floresta virgem, imensa, misteriosa, solitária”.
A corrupção nos alacranou deveras.