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Onde a bruma faz a curva, o curitibano termina o outono abaixo de zero, com a sensação térmica de quem nasceu nos píncaros do Himalaia. Transidos de frio, os nativos dos pinheirais se aninham diante da televisão e consultam os filhotes: temos cobertores suficientes para mais este inverno?

O inverno chega a Curitiba pelo Jornal Nacional. É quando a moça do tempo anuncia a previsão de temperatura para todo o país, com o velho bordão: máxima de 40 graus no Piauí, mínima de zero grau em Curitiba. Não importa se está caindo neve na Serra Catarinense, ou se turistas invadem Gramado. Para todos os efeitos climáticos, no imaginário dos brasileiros acima do Rio Atuba, Curitiba é a capital mais próxima do Polo Sul, incluindo Porto Alegre. Para nosso gáudio, conseguimos vencer os gaúchos por dois graus, com margem de erro de um grau para mais ou para menos.

Talvez pela nossa reputação de ser uma cidade fria em todos os sentidos, os editores dos telejornais nacionais se convenceram de que o Abominável Homem das Neves mora em Curitiba. O que não seria impossível, considerando-se a diversidade étnica do Paraná e certas histórias que cercam alguns de nossos inesquecíveis personagens. O escultor Nelson Matulevicius foi um deles.

Em junho e julho, o calendário turístico de Curitiba só consegue ser mais pobre que no mês de fevereiro

Quando ele morava num cubículo da Rua das Flores, amigos mandaram pintar de preto os vidros da única janela. Acostumado a acordar com o sol da tarde batendo na sua cama, Matulevicius hibernou por três dias e três noites, até que a fome o levou ao Bar Mignon para descobrir a causa de tão longa noite. Barbudo, cabeludo, com quase dois metros de altura, o corpulento Matulevicius seria o próprio Abominável Homem das Neves.

A origem da lenda do Abominável Homem das Neves é um dos grandes mistérios ainda não resolvidos da humanidade. Pelas primeiras descrições, seria um animal peludo semelhante ao Tony Ramos. Os nativos das montanhas geladas do Himalaia deram ao bicho o nome de Yeti, quando o alpinista inglês Eric Shipton publicou uma série de fotos de suas pegadas com 35 cm de comprimento por 20 cm de largura. Ao se tornar uma celebridade, Yeti só saiu da cabeça dos cientistas ingleses em 1964, depois que Mary Quant lançou a minissaia e, mesmo assim, porque descobriram que a excrescência seria uma lucrativa fraude montada pelos sherpas do Himalaia.

Numa cidade cujos dotes turísticos foram criados por vias administrativas, Curitiba carece de atrações invernais. Há mais de quatro décadas esperando nevar com consistência e sazonalidade, pode vir a ser um bom negócio alimentar a notícia de que o Abominável Homem das Neves tem paradeiro no primeiro planalto paranaense. Seria mais uma lenda, acrescentando-se àquela de que o curitibano é frio por natureza – o que não deixa de ter um fundo de verdade, porque o frio dos últimos dias está de rachar.

Nos meses de junho e julho, o calendário turístico de Curitiba só consegue ser mais pobre que no mês de fevereiro, quando não temos carnaval. Festas juninas agora são festejos tipicamente nordestinos. Quadrilhas, com elas só a Polícia Federal se diverte. Balão de São João, de vez em quando um maluco bota fogo na Serra do Mar. Casamentos caipiras também saíram de moda e, depois do botox, o Halloween caiu definitivamente no gosto popular. Além do mais,mesmo com o dólar de cara feia, a “elite branca com lareira” insiste em passar férias no Mediterrâneo.

Sendo um bom negócio para o turismo, é preciso espalhar a lenda de que o Abominável Homem das Neves vive em Curitiba. Aposentado, o Yeti mora na Rua Carneiro Lobo –“Rua bicho bom, bicho ruim” – e tem sido visto na esquina da Riachuelo com São Francisco, em meio à bruma, trocando maledicências literárias com o Vampiro de Curitiba.

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