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O estigma de que o curitibano é ensimesmado e frio vem de longe. Começou em 1967, com a crônica "Curitiba, a fria", do falecido jornalista Fernando Pessoa Ferreira, no volume três do Livro de Cabeceira do Homem, da editora Civilização Brasileira. Certo dia, durante um almoço no Rio de Janeiro, Pessoa Ferreira fez ao então editor Paulo Francis um retrato falado dos curitibanos. Francis, impressionado, o intimou: "Você tem dois dias para escrever isso tudo".

40 anos depois, Ferreira me contou que, na "Curitiba, a fria", faltou contar um episódio bem próximo do realismo fantástico. Em 1962, ele era correspondente da revista Manchete no Paraná quando recebeu a comunicação, do Rio de Janeiro, de que o escritor Macedo Miranda estaria chegando para fazer uma reportagem sobre Curitiba. Anfitrião frequente, o correspondente recebeu o enviado especial da Editora Bloch no aeroporto e o levou direto ao bar do Hotel Iguaçu para baixar a poeira com um uísque regenerador.

Hoje Hotel Bourbon, o Hotel Iguaçu era a principal sala de visitas de Curitiba. No início da década de 1960 hospedava as estrelas do cinema que vinham participar do Festival Internacional de Cinema Tribunascope, promoção do jornal Tribuna do Paraná. Eram noites de festas e rumores, inclusive sobre supostos envolvimentos amorosos de Tony Perkins com mancebos curitibanos, enquanto o galã Troy Donahue arrancava suspiros das adolescentes em alvoroço na calçada de granito da Biblioteca Pública.

O enviado da revista Manchete merecia a distinção de ser hospedado no Hotel Iguaçu. Foi no primeiro uísque que Macedo Miranda respirou fundo e comentou, balançando a cabeça: "Pois é, seo Fernando! (ele costumava tratar a todos com um respeitoso seo). Estamos aqui, tomando um uisquinho em plena zona rural!"

Fernando Pessoa Ferreira, espantado, olhou para a Biblioteca Pública do Paraná em frente do hotel e ponderou: "Zona rural, não! Estamos em pleno centro da cidade!" Macedo Miranda tilintou o gelo do copo: "Ora, seo Fernando! É claro que estamos em plena zona rural!"

Quando o escritor ia começar um discurso louvando o clima campestre da paisagem em volta, ao mesmo tempo em que Fernando tentava explicar que a zona rural, propriamente dita, era bem distante daquele hotel de alto gabarito, o absurdo aconteceu. Uma vaca malhada entrou pelo saguão do hotel, botou os dianteiros no tapete vermelho e mugiu bonito: "Múúúúú!!!"...

Macedo Miranda era um senhor elegante e de fino trato. Simplesmente tomou outro gole de uísque e, sem engasgar, comentou em voz baixa: "Não falei, seo Fernando?"

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