Por ser o principal lazer do curitibano, fomos conhecer um novo restaurante. Tudo muito bonito, da melhor qualidade, o serviço atencioso, preço padrão Curitiba (ou de Paris, calculando o euro de três meses atrás). A comida, nem tanto. O risoto de frutos do mar veio sem gosto de mar, com um casal sem credenciais se apresentando como lula e polvo. Conforme dizia Carlos Antunes dos Santos, falecido reitor da Universidade Federal do Paraná e doutor em História da Alimentação, camarão precisa chegar com gosto de camarão. Caso contrário, não passa de um chiclete bem temperado. Veio ainda uma lasanha com molho de carneiro, mas cadê o carneiro? O tomate e o queijo atropelaram o borrego. Em suma, o arquiteto acertou a mão no projeto. Agora é preciso acertar a mão na cozinha.
Ao que parece em certos casos, na alta gastronomia vale o ditado popular: gosto não se discute! Vale o que está escrito no cardápio e revogam-se disposições em contrário. Se o ego do chefe é de primeira grandeza, a ele são facultadas todas as imunidades gustativas, além das devidas licenças poéticas de ofício.
Depois do ciclo do molho branco, do peixe com alcaparras, da rúcula com tomate seco, agora os incensados da cozinha molecular vão poder ditar o sabor com a tecnologia dos "saborizantes e potencializadores". Procedimento já adotado pelas grandes indústrias alimentícias, a nova técnica chegou para maquiar sensações como o amargo ou para escondê-las, permitindo às empresas reduzir o uso do açúcar e do sal nos alimentos processados, enquanto preservam o gosto de doces e salgados.
Os produtos que contêm "potencializadores" são vendidos nos Estados Unidos sob o amplo rótulo de "sabores artificiais". Da geração fotoshop, podemos qualificar essas novidades como "chuchus do terceiro milênio", derivados da safra de alimentos com o gosto modulado pela indústria. Bem mais saudáveis, com menos sal e açúcar, sem a mínima graça.
A gastronomia evoluiu tanto principalmente da cozinha para fora que em breve os restaurantes não vão mais servir comida de verdade. Serão "estúdios para a criação de sabores requintados". Laboratórios "saborizantes" de frutos do mar, por exemplo, com "potencializadores" de faturamento. Nesse admirável mundo novo, veremos a consagração da gastronomia de Lilliput. Pratos gigantescos, porções minimalistas. Com preços à altura de Gulliver.
Nos templos da baixa gastronomia, é o que se comenta entre um bolinho de carne e o chope com colarinho: "Muita gramática e pouca prática. Botaram o arquiteto na cozinha e o cozinheiro na televisão!"