Anastácia Retchec não era uma mulher culta e ilustrada, mas possuía certos dons incomuns. Conta o escritor Josué Corrêa Fernandes, no seu livro O alfanje e o centeio – crônicas da imigração eslava, que aquela ucraniana atarracada de quase 100 anos recolheu muita experiência de vida, aprendendo a lidar com coisas que os leigos entendiam como sortilégio. Por sua sagacidade, dava a impressão de que seus dotes emanavam de forças misteriosas.
Descendente dos cossacos de Taras Bulba, Nastcha viera ao Brasil junto com os vizinhos de Kiev, porque ouvira atentamente a animadora carta que o Visconde de Taunay mandara aos eslavos do Leste Europeu e, desde então, começou a guardar sementes de hortaliças e cozer roupas apropriadas para a longa travessia de navio, certa de que o paraíso se escondia no Brasil Meridional.
Quando chegou a Prudentópolis, nessa terra virgem e tão verde, respirava não apenas a svoboda (liberdade), como também a chance de se tornar uma hospodenha (senhora-dona), proprietária de terras, de cavalos e bois, uma mulher respeitada pelos grandes proprietários e temida pelos camponeses.
Nastcha foi enterrada numa gruta e nunca mais se soube onde foram parar os três “dêiavol” das fortunas inexplicáveis
Para chegar a tanto, na despedida do Rio Dnieper a esperançosa Nastcha ganhou de presente uma dádiva que a libertaria para sempre da miséria. Dentro de um estojo de cobre, um velho bruxo da Polésia (a região mais pantanosa da Europa) entregou-lhe um prodigioso tsochort (talismã) de apenas meio palmo, que exigia duas condições para atrair benefícios materiais para o seu portador: que fosse alimentado com partículas de aço (agulhas, botões, pregos etc.) e, uma vez ao ano, com pequenos mimos de ouro e prata. E mais: que nunca o detentor se desfizesse dele a troco de dinheiro.
Em meio aos pinheirais de Prudentópolis, Anastácia Retchec logo começou a dar sinais de inexplicável e repentina prosperidade. Com muita sorte, suas criações se multiplicavam e as plantações em sua propriedade de dez alqueires produziam o triplo dos demais colonos. Ficou rica, enfim. Em compensação, os vizinhos a consideravam uma mulher orientada por poderes sobrenaturais: “Nastcha tem com ela o dêiavol (diabo). Vendeu a alma em troca da fortuna!”, diziam.
Chamada também de kvotschka (galinha choca), mesmo assim a comunidade tratava Anastácia com respeito. Na boca da noite, porém, à luz dos pequenos lampiões, as crianças ouviam arrepiadas: “Não pensem que só a bruxa Nastcha é quem tem o filhote de belzebu. Mais outros dois bichinhos desses foram trazidos da Ucrânia para o Paraná”.
Passaram-se os anos, Nastcha foi enterrada numa gruta e nunca mais se soube onde foram parar os três dêiavol das fortunas inexplicáveis. Presume-se que os outros tsochort só podem estar em Curitiba, porque em Prudentópolis nunca mais se ouviu falar de alguém com a sorte de Anastácia Retchec. Bem ao contrário da capital, onde nunca antes neste país se ouviu falar de tantos milhões e milhões de dólares de origem suspeita ou criminosa.