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De Lisboa

Em junho de 1969, Vinícius de Moraes escreveu uma crônica em agradecimento à sua temporada de três meses em Lisboa. "Obrigado, Portugal!" – é a reverência no título: "A gentileza humana parece ter feito seu último reduto em Portugal. É um povo que não levanta a voz, e ninguém pense que por covardia, mas por uma boa educação instintiva e um senso de afetividade. Quase humilde no trato pessoal, logo verificará quem o conhecer melhor que não se trata de servilismo, e sim de uma necessidade de não fazer vibrar além do necessário os frágeis fios que suspendem imanentemente os Maus Fados sobre sua existência. E é talvez por esse motivo que seus bons fados também são tristes, sempre a carpir as penas do viver e do amar".

Em meio aos bons e tristes fados, sob a mesma luz de Lis­boa, dois dos mais gentis portugueses são festejados no dia 13 de junho: Santo António (de batismo Fernando de Bulhões) e Fernando Pessoa. Desde as vésperas, Lisboa se transforma para comemorar com fogos e festas o dia em que todos passam a se chamar António. António com acento agudo – e não circunflexo –, porque a reforma ortográfica ainda não comprou a alma portuguesa.

Nesses dias os discretos Antónios levantam a voz para espantar os maus fados e saudar os bons. Assim como levantam seus jarrinhos de manjericos com versinhos de amor para a namorada. Manjerico não é igual a manjericão, embora seja bem cheiroso. Menor, tem as folhas miúdas e redondinhas. Não se pode cheirá-lo diretamente, ou murchará até morrer. Cheira-se a mão antes colocada sobre a planta. Coloca-se manjerico atrás da porta, em busca de proteção. Queima-se manjerico na fogueira da rua, esperando que o galhinho rebrote e traga um amor eterno. A planta também é posta no telhado, ou jogada ao mar.

Nas janelas, colchas, toalhas coloridas e braços abertos. Nas ruas embandeiradas, fogueiras (onde são queimados alecrim e murta), bailes, lamparinas com armações de papel colorido em volta e o forte cheiro da sardinha na brasa toma conta da cidade de alto a baixo, Alfama, Mouraria, Chiado, Carmo, Trindade, Rossio, em todas as freguesias as pessoas se enfeitam com coroas e colares de flores sempre-vivas trançadas.

"Santo António, Santo Antoninho, arranja-me lá um maridinho", a cantiga das moças repete o mesmo refrão, agora com uma nova versão – "Arranja-me lá um emprego para o meu maridinho" –, levantando a voz contra os maus fados da Europa.

Obrigado, Santo António! – e aqui me despeço dessa temporada no Chiado, com as palavras do poetinha: "Obrigado Lisboa, terra tão boa, gente tão gente, casas tão casas, amigos tão como já não se encontra. Resta sempre uma esperança. Eu voltarei!"

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