Caso Aramis Millarch fosse agraciado com o presente que desde menino pediu a Deus, seria músico de sete instrumentos. Ouvido tinha, porém os desígnios divinos o levaram a escutar. Escutar e escrever. E foi de tanto ouvir e escrever que o jornalista de sete instrumentos foi parar no rádio, desafiado pelo publicitário Eloi Zanetti.
O convite surgiu num momento difícil para Aramis Millarch (12-7-1943 / 13-7-1992), colunista de leitura obrigatória, um dos idealizadores do Teatro Paiol e fonte de referência da Música Popular Brasileira. Certo dia, passando em frente à primeira sede da Fundação Cultural de Curitiba, na Rua Lysimaco Ferreira da Costa, Zanetti resolveu fazer uma visita informal ao amigo. Ao entrar na sala entulhada de livros e discos, o visitante encontrou Millarch demissionário do órgão cultural que havia ajudado a criar.
Junto com um abraço, Eloi Zanetti propôs ao desconsolado que recolhia o passado das gavetas:“Vamos fazer um programa na rádio Ouro Verde! Tenho até o nome: Domingo sem futebol”.
“Domingo sem futebol” foi o programa campeão de audiência que marcou época nas tardes de domingo em Curitiba
Até então, Eloi Zanetti não tinha pensado na proposta. Saiu naquele momento, de puro instinto. E instinto e talento são atributos que nunca faltaram a Eloi Zanetti: Domingo sem futebol foi o programa campeão de audiência que marcou época nas tardes de domingo em Curitiba, intercalando músicas e depoimentos inéditos de artistas.
Uma dessas entrevistas foi com o cantor e compositor Johnny Alf. Feitas as devidas apresentações, o sonoplasta girou na pick-up: “Ah! se a juventude que esta brisa canta / Ficasse aqui comigo mais um pouco / Eu poderia esquecer a dor / De ser tão só pra ser um sonho. / Daí então quem sabe alguém chegasse / Buscando um sonho em forma de desejo / Felicidade então pra nós seria / E, depois que a tarde nos trouxesse a lua / Se o amor chegasse eu não resistiria / E a madrugada acalentaria a nossa paz / Fica, oh brisa, fica, pois talvez quem sabe / O inesperado faça uma surpresa / E traga alguém que queira te escutar / E junto a mim queira ficar”.
No último acorde, a primeira pergunta de Aramis: “Johnny Alf, em quem você se inspirou para escrever Eu e a brisa?” Homossexual assumido, Alfredo José da Silva (Johnny Alf foi adotado por sugestão de uma amiga norte-americana) não se escondeu no armário para responder: “Me inspirei num garoto carioca, por quem na época eu estava perdidamente apaixonado”.
Uma breve pausa pela revelação e, de repente, ouviram-se alguns palavrões, seguidos de um soco na mesa desferido pelo sonoplasta: “PQP! (#*#*#) Como é que você me faz uma coisa dessas? O que é que eu vou dizer para a minha mulher? Pois foi bem essa música que escolhi para tocar no meu casamento! E agora você me diz que ela foi feita para o teu namorado? PQP! (#*#*#)”.
Johnny Alf não ficou constrangido. Já tinha passado por situações bem piores. Em 1967, a cantora Márcia o procurou em busca de uma canção para participar do Festival de MPB da Record. A composição ganhou letra e nome e, desclassificada no festival, depois se tornaria um clássico da MPB.
O que o sonoplasta também não sabia – e essa história o escritor Ruy Castro não contou no seu magnífico livro A noite do meu bem – é que, para atender ao pedido de um amigo que iria se casar, Johnny Alf compôs Eu e a brisa para fundo musical da cerimônia, mas ela não chegou aos ouvidos dos convidados: foi vetada pelo padre!
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