Para o bem e para o mal, o processo do mensalão é a cara do Brasil. Retrata de forma fiel o atual momento da nação. Primeiramente, é preciso reconhecer que o julgamento representou um passo à frente. Pela primeira vez, altos dirigentes da República foram condenados e, cedo ou tarde, haverá punições. Isso reflete uma realidade: as instituições do país estão se modernizando. Mas também é verdade que os avanços são lentos e insuficientes. E a ação julgada no Supremo Tribunal Federal espelha alguns dos mais profundos dilemas nacionais.
A própria natureza do julgamento no STF, o foro privilegiado das autoridades, demonstra a estrutura profundamente desigual e hierarquizada da sociedade brasileira, que teima em impedir que o país construa uma verdadeira democracia.
As sentenças parte delas passível de modificação no novo julgamento seguem a mesma linha. Os ministros do STF acataram a tese da denúncia de que o ex-ministro José Dirceu foi o mentor do esquema. Condenaram-no a dez anos e dez meses de prisão. O publicitário Marcos Valério, o principal operador do mensalão, teve punição quase quatro vezes mais dura: 40 anos e dois meses. Ou seja, aquele que estava abaixo na hierarquia pagará mais caro por ter posto em prática o plano arquitetado pelo chefe.
Há de se reconhecer que as provas eram muito mais robustas contra Valério juristas renomados dizem inclusive que Dirceu foi condenado sem haver elementos incriminatórios suficientes. Porém, é preciso lembrar que, a despeito disso, o Supremo entendeu o contrário. E, ao lançar mão dos instrumentos legais que tinha disposição, simplesmente teve de decretar a desigualdade: punição mais dura ao "chão de fábrica" e mais leve ao "patrão".
Além da ordenação jurídica que permite punir mais fortemente o operador que o mentor, deve-se levar em conta que os membros de instituições de controle também estão submetidos a constrangimentos que dificultam a obtenção de provas contra autoridades e pessoas influentes.
Pesquisa divulgada no mês passado pela Federação Nacional dos Policiais Federais, por exemplo, revelou que 89% dos integrantes da PF acreditam que há controle político nas investigações. Outros 75% disseram já ter sofrido ingerência política em seu trabalho ou ao menos ter ouvido relatos de colegas a respeito disso. Como consequência, fica mais difícil colher evidências contra autoridades o que facilita que se livrem de punição na Justiça ou que nem cheguem a ser julgadas.