Cada geração tem suas próprias marcas. Há 21 anos, os caras-pintadas tingiram o rosto de verde e amarelo para derrubar o ex-presidente Fernando Collor. Pintaram-se para defender a pátria contra a corrupção. Vinte e um anos depois, outro ícone parece simbolizar as marchas de 2013: a máscara de sorriso irônico de "V", personagem do filme V de Vingança, de 2006. E isso muito diz a respeito de parte expressiva da atual juventude. E também revela algo de alarmante sobre as perspectivas do país, ainda que a causa dos protestos seja justa.
A geração cara-pintada, sem os meios de comunicação instantâneos de hoje, tinha eminentemente o Brasil no horizonte. Talvez daí resulte o nacionalismo expresso em seus rostos. O jovem contemporâneo, hiperconectado, é fruto de uma globalização acelerada. A máscara de V é a expressão disso. Ela frequentou manifestações nos EUA, na Europa, na Turquia, e agora aparece no Brasil.
É sintomático ainda que uma máscara torne-se o rosto das atuais manifestações. A internet, que tanto condiciona a juventude moderna, permitiu como nunca a emergência do anonimato no mundo virtual, comportamento que parece ter migrado para os protestos. E esse é um grande paradoxo: parte dos jovens que pedem mais transparência na esfera pública esconde a própria identidade. É o oposto da última geração a sair às ruas, que usou a cara para se definir e afirmar.
Há também um forte simbolismo no "herói" escolhido pelos jovens de hoje. V luta contra um regime totalitário e usa a violência em nome da causa. Foi inspirado em um personagem real: Guy Fawkes, soldado católico que participou da conspiração que pretendia explodir, em 1605, o Parlamento inglês com o rei protestante e todos os parlamentares juntos. Novamente, é a violência a serviço de uma causa: combater a desigualdade de direitos a que eram submetidos os fiéis do catolicismo na Inglaterra.
Talvez não seja coincidência que os atuais protestos, a despeito das motivações legítimas, tenham redundado em tanto vandalismo algo que não ocorreu em 1992. O programa Fantástico do último domingo mostrou pesquisa do Ibope, realizada com manifestantes de oito capitais, que traz dados preocupantes: 33% deles admitem que a depredação de bens públicos e privados é justificável (28% disseram que apenas em certas circunstâncias e 5%, sempre). Embora a maioria (66%) discorde totalmente da destruição do patrimônio alheio como método político, é alto o número de pessoas que a aprova em algum grau.
É uma mensagem perigosa das ruas: a crença de que a violência traz resultados. Por mais justas que sejam as causas, uma democracia não se aperfeiçoa desse modo. A geração V pode ser a geração do V da vitória da ideia de que os fins justificam os meios.