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Fernando Martins

A história da baleia mais solitária do mundo

Ele não tem família. Nem amigos. Tampouco namorada. Mas guarda no peito um enorme coração. Que não desiste. Ano após ano, chama por companhia. Que nunca vem. E ainda assim continua a chamar, mesmo que ninguém escute seu melancólico e solitário clamor.

Apresento-lhes 52 Blue (ou 52 Hertz) – a baleia mais solitária do mundo. Ok, por adequação à nossa inculta e bela língua, talvez devesse chamá-lo de “ela” – afinal, nem mesmo os cientistas sabem ao certo se se trata de uma fêmea ou de um macho. Mas os norte-americanos, que estudam o comportamento de Blue, apostam que ela é ele: são os machos que cantam para atrair parceiras.

52 Blue foi identificado pela primeira vez em 1989 por militares dos Estados Unidos que monitoravam sons subaquáticos no Pacífico Norte – o objetivo era encontrar submarinos soviéticos.

O fato é que, em meio às incertezas científicas, o canto de Blue acabou por seduzir outra espécie animal, a nossa. A história conquista corações ao redor do planeta

O que chamou a atenção no caso de nosso personagem é que o canto dele é único. Claramente o de uma baleia. Mas diferente de todos os demais. Não se sabe por que, mas Blue canta em uma frequência (daí seu nome) de 52 hertz – grave como a nota mais grave de uma tuba para os humanos, mas extremamente agudo e possivelmente inaudível para as baleias, que vocalizam sinais sonoros na faixa entre 15 e 20 hertz. Portanto, nenhuma potencial companhia escuta o chamado de Blue. Desesperador: um gigante que vaga sozinho num gigante ainda maior, a imensidão azul.

A Guerra Fria acabou. O sistema de escutas submerso do Pacífico foi repassado pelos militares a pesquisadores da vida marinha. Mas os chamados de 52 continuaram a ser captados e estudados rotineiramente. E sempre mostraram que, a despeito de baleias serem animais sociáveis, sua jornada é absolutamente solitária e seu chamado, infrutífero. Desde que foi descoberto até hoje. Vinte e sete anos: a idade do desejo inalcançado.

Muita tinta já foi gasta para tentar explicar o triste destino de Blue. Teria alguma deformidade que altera sua “voz”. Ou seria um híbrido – mistura que produziu um sujeito singular – de uma espécie incerta com uma baleia-azul. (A especulação de que ele é uma baleia-azul é porque 52 migra numa rota similar à dessa espécie –o que explica por que também é chamado de Blue).

Mas certeza mesmo para esclarecer os mistérios que o cercam, só estudando-o de perto. O problema é que 52 nunca foi nem sequer avistado por humanos. Ouvi-lo até é fácil: o canto de uma baleia chega a se propagar por milhares de quilômetros no oceano. Encontrá-lo? Aí são outros quinhentos. É como achar agulha no palheiro.

O fato é que, em meio às incertezas científicas, o canto de Blue acabou por seduzir outra espécie animal, a nossa. A história conquista corações ao redor do planeta. E um longa-metragem está sendo produzido para contá-la a quem ainda não a conhece.

Mas tem muito cientista que torce o nariz para quem atribui a 52 a alcunha de “a baleia mais solitária do mundo”. Dizem que nunca saberemos se ele de fato sofre por ser solitário. Que essa história é tão-somente a projeção dos dramas humanos numa baleia. A antropomorfização – palavra difícil essa, hein? – de um animal comum.

Que seja assim. Humanos também são sociáveis. Desenvolvem empatia com facilidade. Inclusive por animais. E não é difícil encontrar quem se identifique com Blue, ao menos em algum momento da vida. Uma pessoa que ninguém quer escutar. Que não consegue ser compreendida. Que não se encaixa em nenhum lugar; sente-se diferente de todos. Que é solitária neste vasto mundo. E que, ainda assim, continua tentando.

Talvez 52 nunca encontre uma companhia. Mas, se serve de consolo, ao menos podemos dizer-lhe: Blue, nós humanos escutamos o que você tem a dizer.

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