O julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a quebra do sigilo bancário do caseiro Francenildo Costa, na última quinta-feira, teve um detalhe que passou quase despercebido no noticiário, mas que é elucidativo sobre o Judiciário brasileiro. O ministro Marco Aurélio Mello, com sua retórica rebuscada, estava dando seu voto a favor da abertura de processo contra o ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci algo positivo para Francenildo. Porém, em sua simplicidade de homem do povo o caseiro não entendia nada do que estava sendo dito. "Isso é bom ou ruim?", perguntou ele a determinada altura.
A fala empolada do ministro do Supremo, assim como o de grande parte dos juízes e advogados brasileiros, a despeito de mostrar erudição, revela na verdade um profundo distanciamento do sistema judiciário em relação à sociedade. Mostra uma despreocupação em fazer-se entender por quem não estudou Direito.
O juridiquês, aliás, é apenas um de vários sintomas dessa doença, que se manifesta também na lentidão dos julgamentos e na dificuldade de acesso do cidadão comum à Justiça. Quem não se lembra do lavrador de Cascavel que usava sandálias e foi retirado de uma audiência porque o juiz entendeu que ele não estava bem vestido para frequentar um tribunal? Ou então dos diversos poderosos que, embora respondam a inúmeros processos, nunca são condenados por terem bons advogados?
Têmis, a deusa-símbolo da Justiça, no Brasil parece não ter apenas os olhos tampados, mas também os ouvidos já que não houve as ruas. Esse mal, aliás, já havia sido diagnosticado no início do século 20 pelo teórico alemão Max Weber, quando escreveu que a burocracia estatal tende a descolar-se da sociedade e avançar sobre ela.
Weber, considerado o pai da sociologia, definiu o Estado moderno como aquele que é regido por leis e normas teoricamente racionais que, por sua vez, devem ser resguardadas pela burocracia entendida aqui como o corpo do funcionalismo público, do qual fazem parte os juízes.
Mas, segundo Weber, toda burocracia de Estado tende a se transformar em uma espécie de monstro que oprime ou explora a sociedade. O luxo das altas cortes brasileiras não seria um sintoma disso? E os inúmeros benefícios que parte dos magistrados se autoconcede?
O sociólogo alemão preconiza que, para escapar desse monstro burocrático, é preciso controle social. E isso deve ser feito por meio de eleições ou seja, pela escolha de representantes da população para, temporariamente, definir os rumos que a burocracia deve tomar.
Nesse ponto o Judiciário brasileiro é, definitivamente, o poder mais atrasado e fechado na escolha de seus dirigentes. Vota-se para eleger governantes e parlamentares, mas não para magistrados ou promotores, como ocorre em países como os Estados Unidos. E, embora o Brasil tenha problemas tanto com os eleitos para o Executivo como para o Legislativo, esses dois poderes ainda assim são mais abertos do que o Judiciário. Talvez seja a hora de pensar em um pouco mais de democracia para arejar os tribunais.
Fernando Martins é jornalista.